O jazz
de Miles Davis, as trilhas de Ennio Morricone e a música
erudita de Krzysztof Penderecki estão entre as influências
do Radiohead — a banda que fez da mudança permanente
um método de trabalho
Desde
a década de 1990, roqueiros e interessados em música
em geral sonham com o que está prestes a acontecer
nos próximos dias 20 e 22. Pela primeira vez, a banda
britânica Radiohead tocará no país. Não
bastasse ser o grupo mais cultuado dos nossos tempos, o quinteto
de Oxford atravessa um período comercial bastante favorável,
com direito a destaque no último Grammy e o título
de artista que mais vendeu LPs (sim, vinil!) nos Estados Unidos
em 2008, com 61 mil cópias comercializadas de toda
a sua discografia, 26 mil só do álbum In Rainbows.

Radiohead
Por causa
desse trabalho, o Radiohead foi apontado como o grupo que
melhor entendeu a mudança radical que a música
sofreu em tempos de internet. O que garante o lugar de destaque
que a banda ocupa hoje no panteão do pop, no entanto,
é mesmo o seu talento criador. Ao longo da trajetória,
o Radiohead manteve o espírito inquieto, correu inúmeros
riscos e deu várias guinadas estéticas —
e, devido à qualidade do trabalho, se manteve em alta
no gosto do público.
Thom Yorke
(voz), Ed O'Brien (guitarra), Jonny Greenwood (guitarra),
Collin Greenwood (baixo) e Phil Selway (bateria) estudaram
na mesma escola pública só para garotos. Em
1986, já ensaiavam usando o nome On a Friday. Depois
que a maioria dos integrantes já havia concluído
os estudos universitários, o On a Friday assinou contrato
com a gravadora inglesa EMI.

Thom Yorke,
Radiohead 2009
Em setembro
de 1992, já rebatizado de Radiohead, o conjunto lançou
sua primeira música: Creep, até hoje lembrada
como um dos maiores sucessos da carreira. Mas a trajetória
da canção, urdida no meio da explosão
grunge, não foi nada convencional. Considerada depressiva
demais, Creep não emplacou nas rádios inglesas,
mas fez sucesso nos Estados Unidos. A MTV americana passou
a bombar o videoclipe, que chegou a ser assunto num episódio
da animação Beavis & Butt-Head. O disco
que continha a música, Pablo Honey, foi um fracasso
de crítica. A acusação mais constante
era que a banda imitava o Nirvana, de Kurt Cobain.
O segundo
álbum, The Bends, também foi recebido inicialmente
com frieza. Um Radiohead desiludido com o mainstream voltava
às rádios com os versos "Essa é
nossa nova canção/ Exatamente igual à
anterior/ Uma total perda de tempo", de My Iron Lung.
Só que Michael Stipe, líder do já consagrado
conjunto americano R.E.M., gostou do disco e colocou o Radiohead
para abrir os shows de sua banda. Foi uma bênção
providencial. Stipe, cavalgando o sucesso dos álbuns
Out of Time e Automatic for the People, desandou a falar bem
do grupo inglês em entrevistas.
Em 1997,
o grupo decidiu arriscar todo o prestígio que começava
a angariar lançando um disco que abandonava as influências
mais óbvias de rock para flertar com o jazz de Miles
Davis, as trilhas do italiano Ennio Morricone e a música
erudita de vanguarda do polonês Krzysztof Penderecki.
Para deixar a gravadora mais desesperada, a banda escolheu
uma música de mais de seis minutos para ser o carro-chefe
desse CD, intitulado OK Computer. Com suas diversas partes
e seus versos misteriosos, a épica Paranoid Android
acabou associando o Radiohead com o rock progressivo —
sem que os integrantes jamais admitissem interesse pelo gênero.
Contrariando as expectativas, o trabalho teve uma acolhida
espetacular e catapultou o conjunto para o primeiro time do
pop rock.

Só
que não demorou muito até Thom Yorke se entediar
com a aceitação. A banda, então, deu
uma nova guinada. Agora interessado na música ambiente
de Brian Eno e no rock alemão dos anos 70, Yorke adquiriu
uma enormidade de aparelhos eletrônicos e exigiu que
o quarto disco do Radiohead nascesse da manipulação
dessas peças. Saudado como um dos grandes guitarristas
de sua geração, Jonny Greenwood trocou seu instrumento
por um Ondes Martenot, uma engenhoca precursorra dos sintetizadores,
consagrada pelo compositor erudito francês Olivier Messiaen.
O resultado desse exercício coletivo é Kid A,
de 2000. Mesmo com uma proposta sonora tão ousada,
o álbum não alienou os fãs. Pelo contrário.
Kid A botou o Radiohead no topo da parada americana pela primeira
vez.
Desde
então, o Radiohead soltou mais três discos de
músicas inéditas e conseguiu se manter uma curva
à frente dos demais grupos do pop atual. Mas Kid A
foi sua última revolução radical. Tudo
o que o Radiohead produziu nesta década são
variações do que foi concebido nesse álbum
seminal. A real é que o que vamos ver por aqui é
o mais novo grupo clássico do rock — ou seja
lá que nome a música praticada pelo Radiohead
tenha.
ONDE
E QUANDO:
Just a Fest, com shows de Radiohead, Kraftwerk e Los Hermanos.
Dias 20 (Praça da Apoteose, Rio de Janeiro) e 22
(Chácara do Jockey Club, São Paulo). R$
200 |
Fontes:
José Flávio JúniorRevista BRAVO! | Março/2009
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