As peças de
Wilde
Juntamente
com Shakespeare e Moliére, Oscar Wilde é considerado
um dos maiores dramaturgos de todos os tempos. A seguir três
grandes peças escritas por Wilde.
A
importância de ser prudente
O humor
caracteristicamente britânico está presente do
início ao fim da peça: a frivolidade dos personagens
aparece em cada quadro, em cada cena, em cada ato. A peça
destaca-se por sua leveza e pela crítica sutil da sociedade
inglesa do século XIX.
O enredo
é composto por encontros e desencontros de dois casais
apaixonados e as armadilhas e situações cômicas
que as mentiras produzem. Interesses, casamentos, arranjos
financeiros, mesquinharia e humor compõem o espetáculo.
O título
original, "The Importance of Being Earnest", contém
um jogo de palavras quase intraduzível para o português".
"Earnest significa algo como responsável, correto,
mas não é exatamente isso, porque ainda faz
um trocadilho com "honesto". Na peça, as
mocinhas se apaixonam pelo personagem atraídas pelo
seu nome que lhes transmite confiança. "Ora, eu
não imagino uma mulher jovem e bonita dizendo: 'Eu
não me casaria com um homem que não fosse Prudente'.
Já, "Eu não me casaria com um homem que
não fosse Fiel' fica bem melhor. Na tradução
francesa, o nome adotado foi Constante."

The Importance of Being Earnest performed by
Chattyboo Productions at Cork Arts Theatre
Os personagens
de "A importância de ser prudente" são
vistos como membros superficiais da aristocracia inglesa do
século 19. "Os personagens são quase máscaras
sociais. E levam esses disfarces à última potência".
A história se desenrola em dois atos. Cecília,
uma moça rica, romanesca e ingênua, sonha em
se casar com um homem fiel, assim como sua amiga Gwendoleen.
Ambas ficam encantadas com John, que adota o codinome de "Prudente".
"É um jogo entre a imagem pública e privada,
na cidade ele é um homem íntegro e no campo,
uma pessoa normal".
A mãe
de Gwendoleen, Lady Bracknell, defende a moral das classes
dominantes e acredita que o importante não é
ser fiel, e sim, de boa família. Algernon, amigo de
John, é um ex-milionário endividado. "Ele
apresenta o amigo John para a aristocracia e o faz pagar as
despesas das festas".

The
Importance of Being Earnest - Directed by Oliver Parker

Um
Marido Ideal
"Um
Marido Ideal" se passa no final do século 19,
em Londres e conta a história de Sir Robert Chiltern,
um homem público que, aos olhos da mulher e do resto
do mundo, jamais cometeu um deslize sequer. Esta máscara,
no entanto, fica a ponto de desabar quando entra em cena Laura
Cheveley , uma mulher de caráter sombrio que tem em
seu poder uma prova irrefutável contra a tão
alardeada honradez do “marido ideal”. Não
precisa nem dizer que ela usa o tal trunfo para chantagear
Sir Robert, enquanto ele tenta desesperadamente conciliar
o impossível: salvar sua carreira e manter a imagem
de bom moço perante a esposa.

An
Ideal Husband
Sir Robert Chiltern (Jeremy Northam), Lady Chiltern (Cate
Blanchett)
Alguns
dos momentos mais engraçados da peça são
protagonizados pelos personagens que gravitam em torno dessa
trama principal. Representantes de uma burguesia frívola
e cheia de manias (ou fobias), eles acabam se tornando elementos-chave
do espetáculo, graças às tiradas geniais
e a um comportamento conduzido por valores materialistas.
Não há como não se divertir, por exemplo,
com os comentários de Lady Markby sobre seu marido,
a futilidade da sabedoria ou o papel irrelevante representado
pela mulher na sociedade. Já Lord Caversham, também
arranca gargalhadas da platéia ao tentar em vão
aconselhar seu filho, o incorrigível Lord Arthur Goring,
a respeito das virtudes do casamento e de uma vida menos devotada
ao prazer. Lord Arthur, oscila da total indiferença
à espécie humana ao carinho incondicional pelos
amigos. Embora não negue a insensibilidade moral, a
qual transcende os limites do grotesco, o personagem acaba,
paradoxalmente, situando-se como a figura mais compassiva
e coerente da história. Nesse panorama de egos bem
nutridos e hipocrisia indisfarçada ainda se insere
a irônica Mabel Chiltern.

An
Ideal Husband by Oscar Wilde. Harrogate Theatre 1987
Liz Bagley – Lady Chiltern, Leda – Lady Markby
Wilde
é brilhante ao escrever uma história que, mesmo
estando sujeita às especificidades de uma época,
consegue refletir de forma atemporal – e com muito senso
de humor – sobre os crenças que habitam a mente
humana. É assim que o mito do “marido ideal”,
bem como aqueles que vêm a reboque, é questionado
e acaba ganhando novos contornos, o que adiciona um ingrediente
real ao cerne da fantasia chamada vida. Curiosamente, entretanto,
a história termina com um final feliz, mostrando que
alguns ideais podem até cair por terra, mas o ideal
da felicidade persiste, inabalável no meio de uma série
de diálogos com insinuações espirituosas,
mostrando o que escondem os casamentos e a política.
Comédia
de costumes inteligente e romântica, a peça "Um
Marido Ideal" é uma das mais montadas na Europa
até hoje.

Salomé
A primeira
aparição de Salomé no mundo literário
foi no Evangelho de Mateus. Mateus conta que Herodes pediu
que a filha de Herodias dançasse para ele no seu aniversário.
Ao agradar o rei, ele ofereceu à garota qualquer recompensa
que desejasse. Herodias incitou sua filha a pedir a cabeça
de João Batista numa bandeja. A cabeça foi trazida
num prato e dada à jovem, e ela a levou a sua mãe.

Salomé
- Oscar Wilde
Theatergroep Felisenum, 1995
A figura
de Salomé e seus sete véus fascina artistas
e escritores há séculos — e nunca tanto
quanto no século XIX. O Drama de Wilde, Salomé
segue os passos de outros poemas, romances e pinturas importantes
de Salomé. Wilde certamente conheceu o Atta Troll de
Heinrich Heine; poema escrito em 1841 de grande popularidade
na França. No poema, é Herodias quem se apaixona
por Jochanaan e quem beija a cabeça decepada. Gustav
Flaubert escreveu uma versão objetiva, em terceira
pessoa, que Wilde muito admirava. O poema Herodiade do simbolista
Stéphane Mallarmé, que explora o casamento de
Herodes e Herodias, também influenciou Wilde, bem como
A Rebours, de J.K. Huysmans.
Wilde
possuía uma compreensão substancial sobre a
representação de Salomé no mundo artístico
ocidental, mas sempre tinha alguma ressalva negativa sobre
a interpretação do tema por alguns artistas.
Ele pensava que a Salomé de Rubens era uma "apoplética
Maritornes"; a Salomé de Leonardo era extremamente
impalpável e a célebre Salomé de Regnault,
uma simples “cigana”. Somente a famosa exibição
parisiense com pinturas da Salomé de Gustav Moreau
satisfez o escritor.

Salome
- Oscar Wilde
Photo: Chris Harris
University of Illinois at Chicago - Febraury 1982
Director: Bill Raffeld
Scene Designer: Chris Harris
Costume Designer: Julie ....
Lighting Designer: Glenn Ragaishis
A versão
da história contada por Wilde tem suas origens em dezembro
de 1891, quando Wilde e uma grupo de escritores franceses
discutiam Salomé num café de Paris. Wilde começou
a trabalhar imediatamente em Salomé ao regressar à
casa. Poucas horas depois, ele havia terminado grande parte
da peça. A lenda diz que Wilde, naquela mesma noite,
se dirigiu a um bar na vizinhança e pediu à
banda da casa para tocar uma música que evocasse “uma
mulher descalça, dançando sobre o sangue de
um homem a quem ela desejava e matou”.
A Salomé
de Wilde é uma personagem extraordinariamente dual.
Por um lado, Wilde acreditava que ela era a incorporação
da sensualidade — ele contou que, enquanto escrevia
Salomé, passava por joalherias nas ruas de Paris e
contemplava como adornar sua personagem. Esse mesmo ser sensual
era, para Wilde, agressivo e cruel, com uma libido insaciável.
Ele imaginava Sarah Bernhardt no papel principal (no fim das
contas, a atriz foi impedida pela censura francesa de interpretar
o papel). Mas Wilde também vislumbrava uma Salomé
divina e pura —imagem provavelmente inspirada por uma
pintura de Bernardo Luini. Para Wilde, Salomé tornou-se
a combinação de um ser sensual, infantil e divino
somado à força destrutiva da natureza.
Um dos
símbolos mais famosos de Salomé é a lua
e quase todas as personagens do drama fazem menção
ao satélite. O confuso Narraboth vê a lua como
uma princesa encantadora, a personificação de
Salomé; o pajem de Herodias vê a lua como uma
mulher morta. Para Salomé, a lua é uma deusa
casta que nunca se rebaixou aos homens enquanto que para Herodes,
é como “uma mulher louca, uma mulher louca que
busca amantes por todas as partes”. E a banal Herodias
desdenha: “a lua é como a lua e só.”
Através da repetição e variação,
o símbolo começa a repercutir e ganhar maior
significância.
Em grande
parte, o escritor sofreu por causa de suas idéias;
seu desafio explícito aos ideais vitorianos de repreensão
e decência o levou à censura e conseqüente
aprisionamento.
O drama
Salomé foi concluído em janeiro de 1892, depois
que Wilde retornou à Inglaterra. Foi traduzido do seu
original em francês para o inglês por Lord Alfred
Douglas. A peça já estava sendo ensaiada há
duas semanas quando a comissão do Lorde Chamberlain
censurou o trabalho (sob a desculpa de que a representação
de cenas bíblicas não era permitida). George
Bernard Shaw e William Archer defenderam a peça, mas
ficou evidente que Salomé não tinha que ser
estreada na Inglaterra. Wilde ameaçou imigrar para
a França e adiantou seus planos para a publicação
da peça em francês. A peça foi finalmente
estreada em Paris, em 1896; mas Wilde não estava presente.
O escritor estava cumprindo uma sentença de trabalho
forçado em Reading Goal. Em 1909, a peça já
tinha sido traduzida para quase todos os idiomas europeus.
Atualmente é a mais famosa versão dramática
da estória de Salomé.


Pop
star vitoriano
O
que aconteceu com a vida de Wilde a partir do seu último
julgamento em 1895 foi o ocaso de uma estrela que parecia
destinada a brilhar sozinha no cenário cultural e social
da Londres de finais do século 19. O destino - e a
auto-suficiência do escritor - deu um drible nas expectativas
wildianas e, de uma hora para outra, sua fama e fortuna se
transformaram em ostracismo e bancarrota. O caminho que ele
vinha pavimentando desde os anos 1880 terminou, sem aviso
prévio, em uma falésia, como as muitas que pontilham
o litoral da Irlanda natal. Um caminho, frise-se, criado a
partir de artigos escritos para várias publicações,
como as revistas Woman’s World, da qual foi editor,
e a prestigiada Pall Mall Gazette, nos quais já expunha
suas idéias estéticas e culturais. E aí
ele já chamava a atenção, atraindo para
si as opiniões mais distintas a partir de suas opiniões
muito particulares - mas sempre bem fundamentadas - a respeito
da obra do poeta Shelley, da arte dos pré-rafaelitas
e da filosofia e da arte em geral. Wilde queria chocar e atrair
luzes para si. E conseguia.
Quando
não por meio de seus escritos, recorrendo a expedientes
pouco comuns à época, como jogar pétalas
de rosas e lírios no caminho de atrizes famosas como
Sarah Bernhardt - que mais tarde encenaria sua Salomé,
em Paris. Essas excentricidades, aliadas à sua reconhecida
genialidade e suas tiradas sarcásticas fizeram com
que ele se tornasse figura requisitadíssima nos salões
londrinos. Pode-se dizer que, quase um século antes
da criação dos astros midiáticos, Wilde
inventou a figura do pop star, criando situações
que só destacavam sua presença nos jornais londrinos.
A década
de 1890, então, tinha tudo para ser aquela na qual
Oscar Wilde definitivamente mostraria sua genialidade. Afinal,
nos anos anteriores, sua preocupação havia sido
justamente abrir caminho, a golpes de pétalas de rosa,
frases de efeito e conceitos estéticos, para a fama.
Como ele mesmo escreveu certa vez, sua intenção
era “ficar famoso, célebre ou, então,
notório”. Conseguiu as três coisas. Com
seus poemas, artigos, peças, contos, novelas e Dorian
Gray, ele conseguiu as duas primeiras. Com seu affair com
Alfred Douglas, ele se tornou tristemente visível.
É
curioso, e até irônico, pensar como acabou a
década de 1890 para Wilde, de tão díspar
que ela se prenunciou. Foi justamente nesse período
que ele se mostrou mais produtivo, mais criativo. Além
de seu romance e de suas peças mais conhecidas - cujos
cartazes, após sua prisão, simplesmente expurgaram
seu nome como autor -, ele criou contos e novelas que se tornariam
célebres, como O fantasma de Canterville, O crime de
Lorde Arthur Saville, O Rouxinol e a Rosa, O gigante egoísta
e O príncipe feliz. Esses três últimos
trabalhos tiveram franca inspiração infanto-juvenil,
criados para os dois filhos que Wilde teve com sua mulher
Constance - Ciryl, que morreria durante a Primeira Guerra
Mundial, e Vyvyan, que se tornaria o grande defensor de sua
memória e divulgador de sua obra. Críticos de
seu tempo chegaram a comparar Wilde a Hans Christian Andersen.
Exagero ou não, essas histórias entraram para
o imaginário popular dos povos de língua inglesa.
Já outros contos, como O fantasma de Canterville, que
conta a história e desventuras de um fantasma solitário
e carente, misturam humor a tons góticos, tão
ao gosto da sociedade letrada da época, talvez antecipando
o que bem mais tarde seria até equivocadamente classificado
como “terrir”, histórias de terror com
humor. Mas Wilde ia muito além dos rótulos,
e isso pode ser comprovado ainda hoje, com a sucessiva publicação
de sua obra por várias editoras brasileiras, principalmente
a partir de 2000, quando se relembrou o centenário
de sua morte.
Cartas
e balada
Mesmo
encarcerado, a partir de 1895, na prisão de Reading,
Oscar Wilde não deixou de produzir, de escrever. Muitas
de suas cartas endereçadas a Robert Ross, seu primeiro
amante e amigo mais fiel, e a Douglas, se tornaram verdadeiras
peças literárias. A mais pungente, com certeza,
é De Profundis, a longuíssima carta que ele
escreveu a Alfred Douglas em 1897 relatando suas angústias
como prisioneiro e fazendo um inventário eivado de
cicatrizes de sua vida, ao mesmo tempo em que estabelece um
mea culpa quanto ao seu relacionamento com o amante. Wilde
enviou uma cópia a Ross para que ele a copiasse e guardasse,
para alguma utilização futura. “Quero
que você seja meu executor literário em caso
de minha morte”, escreveu ele ao amigo. E assim foi
feito, e graças à postura de seu autor e à
dedicação de Ross, De Profundis tem sido editado
e reeditado insistentemente há mais de um século
como talvez a obra mais importante de Wilde, seu testamento
literário e pessoal. “Vou começar por
dizer-lhe sobre como eu me sinto terrivelmente culpado. Sento-me
aqui nessa cela escura em minhas vestes de condenado, um homem
desgraçado e arruinado e me culpo. (…) Eu me
culpo por permitir que uma amizade desprovida de qualquer
senso intelectual, uma amizade cujo principal objetivo não
era a criação e a contemplação
de coisas belas, dominasse completamente a minha vida”,
relata ele ao, então, ex-amante.
Foi também
na prisão que ele escreveu a sua “Balada do cárcere
de Reading”, um longo poema que só viria a ser
publicado em fevereiro de 1898, quando Oscar já havia
sido posto em liberdade. Mas, sinal dos tempos, ele não
quis nem pôde pôr seu nome na capa do livro. A
obra saiu assinada apenas como C.3.3., seu número de
identificação na prisão. Até morrer
em 1900, em um hotel de terceira categoria em Paris, Wilde
não publicou mais nada. Passou os últimos tempos
doente, trocando refeições por epigramas ou
poemas que escrevia a toque de caixa para poder se manter.
Ele sequer era mais Oscar Wilde. Ao se registrar no Hôtel
de L’Alsace, no Quartier Latin parisiense, se identificou
como Sebastian Melmoth. O homem havia sucumbido às
suas próprias aspirações. Mas a obra
deixada cumpriria o papel de resgatá-lo. Como ele mesmo
afirmou certa vez, havia colocado seu gênio na vida
e apenas seu talento nas obras que escreveu.
Leia uma
pequena biografia de Oscar Wilde
Fonte:
valkirio; © 2008 The Metropolitan Opera Guild, Luiza
Nascimento, Indac
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