"I am a reflection, like the moon, on
water.
When you see me, and I try to be a good man, see yourself"
É complexo, absolutamente intágivel
e vedado ao seres carnais, cheios de desejos. Nirvana!
O nirvana é a ausência de dores
e alegrias.
Em meio a eternidade, ao longo do qual a natureza
renasce e reincarna, ciclicamente, os budistas acreditam no
nirvana, um estado sublime de pureza e de libertação,
no qual as almas superam a existência, os sentidos e
o material e atingem a paz absoluta no imaterial.
Apenas com milhares de horas de meditação,
introspecção, no grande silêncio e na
serenidade deles próprios, atingiram a iluminação.
Kundun é um épico visionário
e magistral, dotado de uma sensibilidade extraordinária,
que nos conduz pela transcendência dessa espiritualidade.
É o típico filme que deixa um
depois no espectador compenetrado.
É a história real, mágica,
de Tenzin Giatso, a criança que, com apenas dois anos
e meio, foi encontrada e escolhida para liderar os deveres
religiosos e políticos do seu país, o Tibete,
e que desde então se apresentou ao mundo como o sucedâneo
de uma adorada e inspiradora linhagem: a linhagem do Dalai
Lama.
"I will liberate those not liberated.
I will release those not released. I will relieve those unrelieved.
And set living beings in nirvana." Dalai Lama
Giatso cresce entre os monges, no Palácio
de Potala, na espetacular Lhasa, desde os tempos em que foi
encontrado em criança. Ele não teve a oportunidade,
efetivamente, para ser criança (I am only a boy); Era
alguém que já tinha vivido 13 vidas como homem
sábio.
Kundun(Giatso) medita dez horas por dia,
torna-se um estudioso e um pensador erudito, fascinado por
sapatos, cinema e por todas as invenções do
ocidente às quais tem acesso, e um representante máximo
da não-violência.
"Dalai Lama doesn't believe in war"
Quando a ameaça comunista da China
de Mao Tse-Tung reclama o Tibete como parte integrante do
seu território e impõe a guerra, a missão
de zelar pela espititualidade e pela paz de um mundo em sangue
revela-se tremendamente dificultada.
O império chinês intensifica
a opressão, o conflito invade as suas fronteiras, alastrando-se
na sua moral e consciência.
"Tibet has never been part of China.
We are different races. We are different cultures. We need
change, we know that. But we could do it alone. We were just
about to do it alone. (...) If we agree that we are part of
China, nothing else will matter. Not trade, not defense. We
will be lost." Dalai Lama
Como lutar com um inimigo quando quandos as
armas são apenas o silêncio e a meditação?
Só o exílio lhe é possível,
em Dharamsala, na Índia. A profundidade da história,
é sentida em cada instante.
Kundun atinge níveis de uma perfeição
técnica aos quais raríssimas obras se poderão
igualar. A fotografia de Roger Deakins, por exemplo, é
de uma beleza não só impressionante e desarmante
como de cortar a respiração, verdadeiramente.
É como poesia pintada a ouro. Por
vezes, ecoa Kurosawa na composição do plano.
A trilha sonora de Philip Glass é absolutamente magnífica
e lança-nos um feitiço inesquecível.
Como uma melopeia, plena de harmonia e envolvência,
une-se com o genial trabalho de montagem de Thelma Schoonmaker
na criação de uma cadência hipnótica,
que nos inebria durante toda a experiência e que faz
com que a estrutura episódica do argumento flua com
virtuosa densidade poética.
Poesia, poesia, poesia. O guarda-roupa e todos
os cenários (Dante Ferretti) são de um detalhe,
exuberância e requinte notáveis - daí
o filme conseguir uma autenticidade poucas vezes vista - e
a câmera de Scorsese, por fim, num movimento contínuo
e inspirado, atinge momentos de uma sutileza, maturidade e
simbolismo assinaláveis.
Note-se, a respeito do simbolismo, na destruição
da hipnótica mandala, o que signifca "existir".
Em Kundun, um dos filmes menos citados do
mestre Martin Scorsese, revela-se a plenitude da excelência
e o reflexo da genialidade. Puro deleite cinematográfico,
do melhor cinema que pode existir.
Um obra-prima, um clássico, que ficará
guardado na memória.