Brasileiro
até na mesa
Tom Jobim.
O genial compositor, pianista e intérprete carioca
amava a cozinha nacional. Gostava de canja de galinha e bife
com ovo mexido. Mas tinha especial afeição por
tudo o que fosse assado na brasa - aves, peixes e crustáceos.
Para o
ilustre compositor, pianista e intérprete carioca Antônio
Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994), ou simplesmente
Tom Jobim, falecido na cidade de Nova York, Estados Unidos,
gastronomia rimava com boemia. Assinale-se também que
ele foi artífice de uma das iguarias musicais mais
inspiradas do século XX, a bossa nova - o movimento
que procurou dar um caráter universal à música
popular brasileira, surgido no fim da década de 50,
no Rio de Janeiro. O apreço de Tom Jobim pela madrugada
virou hábito logo no início de carreira. Ele
iniciava a vida artística como pianista, no Beco das
Garrafas, em Copacabana. Na época, era adepto da velha
e boa canja de galinha caipira, receita com a qual combatia
a má digestão de fundo emocional, que apelidara
de "barrigose". O cuidado com o estômago frágil
- e mais tarde com o colesterol - acompanhou-o por toda a
vida. Por conta disso, cultivou o gosto pelos peixes assados
na brasa e praticamente erradicou os molhos pesados de sua
mesa.
Em contraste
com a sofisticação harmônica e melódica
que deleita os ouvidos dos fãs em composições
conhecidas no mundo todo, criadas com diferentes parceiros,
entre as quais vale destacar "Wave", "Insensatez",
"Garota de Ipanema", "A Felicidade", "Chega
de Saudade", "Samba de uma Nota Só",
"Retrato em Branco e Preto", "Águas
de Março" e "Luísa", Tom Jobim
demonstrava à mesa hábitos gastronômicos
simples, mas profundamente brasileiros. "Ele gostava
dos pratos corriqueiros e dos bem nacionais", lembra
o filho Paulo, violonista e presidente da Fundação
Tom Jobim. Quando batia a saudade, durante o longo período
em que viveu em Nova York, consolava-se com um belo bife com
ovo mexido e arroz branco. Não era e nunca quis ser
um gourmet.

Fazia
questão de regar a comida com muita conversa. Além
disso, cultivava algumas manias, como lembra Alberico Campana,
o amigo de longa data, dono do restaurante Plataforma, carinhosamente
apelidado de "Plata", no Leblon, onde o compositor
bateu ponto nos últimos cinco anos de vida. "Não
podia faltar à mesa dele uma xícara com cinco
ou seis dentes de alho semicozido - que Tom Jobim adicionava
à carne ou ao peixe, com as mãos", conta
Campana. Ambos se conheceram nos anos 1950, no Beco das Garrafas.
Ali, o genial compositor e pianista se apresentava. Campana
comandava casas noturnas. No início dos anos 1980,
de volta ao Brasil, Tom Jobim tornou-se adepto de um tipo
particular de boemia: a do almoço. Chegava ao Plata
em torno de 1 da tarde e ficava ali até as 5 ou 6,
invariavelmente cercado de amigos de diferentes épocas
da vida e da carreira, que passavam por sua mesa, a de número
1 do salão, bem perto da porta. Todo mundo que entrava
ou saía dava ao menos uma paradinha ali. Entre os freqüentadores
assíduos, estavam Chico Buarque de Holanda, João
Ubaldo Ribeiro, o ator Antônio Pedro, o cineasta Miguel
Farias, cartunistas e desenhistas como Jaguar e Ziraldo, e
o poeta Paulo Mendes Campos.
O chopinho
não podia faltar. Nos últimos tempos, também
se interessava pelo vinho, escolhido com a ajuda de amigos
escolados no assunto, como Chico Buarque ou o pintor Antônio
Veronese. No prato, reinavam as carnes brancas e peixes como
o badejo com alcaparras, servido com legumes e arroz. "Preferia
a parte mais alta do peixe, o lombo, preparado na brasa",
conta Alberico. Ou o salmão grelhado com panaché
de légumes. A sexta-feira era o dia de sardinha fresca.
"Ele ainda adorava o camarão grelhado do Plata,
servido com salada de batata e maionese", lembra o filho.
Tom Jobim
gostava de peixes tanto quanto das infindáveis pescarias
que fazia com os filhos e alguns amigos, entre eles outro
bossa-novista, Luís Bonfá, autor de "Manhã
de Carnaval". "Íamos para a Barra da Tijuca
à tarde e seguíamos noite adentro, com vara,
anzol, cerveja e muito papo com o Bonfá, o médico
Carlos Madeira, o arquiteto Fred Cordeiro", recorda Paulo.
O filho se diverte lembrando que o pai costumava igualmente
comprar pescados na Cobal do Leblon e levá-los aos
restaurantes que freqüentava, pedindo que os preparassem,
sem a menor cerimônia.

"Ele
chegava com uma bolsa de couro muito surrada a tiracolo e
tirava de dentro uns camarõezinhos, ou umas lulas,
ou um presunto de Parma, e pedia para prepararmos na cozinha",
diz Alberico. Quando estava no Plata e queria comer alguma
especialidade do célebre bar Bracarense, outro endereço
favorito, Tom não se apertava: no mais autêntico
estilo carioca, convocava um funcionário do restaurante
para correr até o bar e trazer o que queria - geralmente
mocotó ou dobradinha. Chamava o espaço entre
o Bracarense, o Plata e a Cobal de "Triângulo das
Bermudas do Leblon". Entre os três endereços
passava suas tardes e noites, às voltas com amigos,
chope, vinho e petiscos.
Tom Jobim
também apreciava o contato com a natureza, observando
pássaros brasileiros ou mesmo caçando, em companhia
de amigos. Houve época em que deixava uma arma enterrada
em ponto marcado da mata entre o Leblon e o Vidigal, para
facilitar a caçada. Citava com orgulho dois de seus
ídolos, também caçadores: o escritor
João Guimarães Rosa e o compositor Heitor Villa-Lobos.
Tom Jobim era capaz de reconhecer os passarinhos, na floresta,
apenas pelo pio, mas em seu prato a ave mais comum era o frango,
assado na brasa.
Batizou
e tornou famosa uma receita, o "frango atropelado",
hoje conhecida nacionalmente: metade da ave, desossada, levada
à brasa e achatada com a espátula. O prato bem
que poderia ser chamado de frango à Tom Jobim. Junto
com a canja de galinha, cuja receita incluía um pouco
do sangue do animal, era um dos pratos permitidos em sua luta
para controlar o colesterol. Mas os cuidados com a saúdejamais
o impediram de provar lascas de costela de boi, bem gorda,
ou de picanha argentina, antes de sentar-se à mesa
para saborear seu franguinho. Tom chegou a comer muito escargot
e steak au poivre no L'Aussace, em Paris, quando foi encontrar-se
com Chico Buarque, que estava exilado na Europa durante a
ditadura e viria de Roma. No fundo, porém, jamais deixou
de continuar brasileiro tanto no hábito de comer quanto
no nome, caráter e inspiração artística.
Fonte
: Revista Gula - Por André Luiz Barros
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