A
Itália lembra este ano 90 anos do nascimento do cineasta
Federico Fellini considerado por muitos críticos como
o maior da história do cinema.
Ao
romper com as formas tradicionais de se produzir uma obra
cinematográfica, ele transformou seus problemas pessoais
e sua criatividade em um material artístico que já
virou lenda entre os apreciadores do cinema. O diretor que
ganhou oito Oscar, além de dezenas de prêmios
nos principais festivais internacionais de cinema, sempre
tem suas obras em qualquer lista dos melhores filmes de todos
os tempos.
Nascido
na pequena cidade de Rimini em 20 de janeiro de 1920, Fellini
foi desenhista, jornalista e roteirista antes de se dedicar
à direção.
Seu
encontro com o cineasta Roberto Rossellini foi crucial para
sua entrada no movimento neorrealista como auxiliar de direção
em uma das obras-primas do cinema italiano, Roma, Cidade
Aberta (1945), e depois em Paisà (1946).
Já
como diretor, Fellini rodou Os Boas-vidas (1953),
ambientado em sua cidade natal, e venceu o Leão de
Prata do Festival de Veneza. Em 1954, conseguiria o reconhecimento
internacional com A Estrada da Vida, que recebeu
o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1956.
Com
A Doce Vida (1960), abandonou o neorrealismo para entrar
de cabeça no simbolismo e esquecer a estrutura narrativa
utilizada até então.
Foi
em A Doce Vida que começou a parceria entre
Fellini e o ator Marcello Mastroianni, a qual se repetiria
em produções como Oito e Meio e Ginger
e Fred (1986), entre outras. Em Oito e Meio,
Mastroianni faz o papel de um diretor de cinema travado diante
da câmera por meio de uma narrativa cuja linha entre
o real e a fantasia é tênue. Com Amarcord,
Fellini disseca e caricatura os personagens do povo com um
vivo sentido do humor. O diretor italiano foi agraciado em
1987 com o Prêmio do 40º Aniversário do
Festival de Cinema de Cannes por seu filme Entrevista,
no qual revê sua vida cinematográfica.
Fellini
morreu em 31 de outubro de 1993. Seu corpo foi velado no estudo
5 da Cinecittà, onde rodou A Doce Vida e no
qual preparava seu trabalho Anotações de
um Diretor: o Ator.
Com
a morte de Fellini, teve fim toda uma era do cinema italiano
na qual o cineasta foi um dos protagonistas junto com Roberto
Rossellini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti.
La
dolce vita
Em
1960, Fellini mostrou sua visão sobre a “cultura
das celebridades” com “A Doce Vida”. Em
seu primeiro trabalho com o diretor, o ator Marcelo Mastroianni
interpretou um jornalista barato, um parasita que circula
ao redor dos “famosos”, mas que já foi
um escritor sério. Ele é apenas um dos decadentes
da vida moderna que o filme retrata. “A Doce Vida”
traz uma das cenas mais famosas da história do cinema,
quando Sylvia, a personagem interpretada por Anita Ekberg,
entra na Fontana di Trevi. O filme originou também
o termo paparazzi, por conta do personagem Paparazzo, um dos
fotojornalistas que circundam avidamente as celebridades.
Otto
e Mezzo
Em
1963, mais uma obra de Fellini venceria o Oscar de melhor
filme estrangeiro. “Oito e Meio” fica no limiar
entre sonho e realidade. Marcelo Mastroianni interpreta um
diretor de cinema (alter-ego de Fellini) que enfrenta uma
crise de criatividade. Considerado um dos melhores filmes
de todos os tempos pela crítica, “Oito e Meio”
é uma profunda reflexão sobre o ato criativo
e mostra a angústia do ser humano ao ter de enfrentar
medos e relacionamentos essenciais
Amarcord
Outra
obra-prima da filmografia de Fellini é “Amarcord”,
lançada em 1973. Também vencedor do Oscar de
melhor filme estrangeiro, o filme narra as memórias
da adolescência do diretor na época do fascismo.
Em contraposição a “Oito e Meio”
que mostra o lado mais sombrio de Fellini, em “Amacord”
há uma visão alegre, despojada e lírica
numa obra que vai do cômico ao melancólico.
Satyricon
Livre
adaptação de Fellini da famosa peça de
Petronius, que faz uma crônica da vida na Roma antiga.
Encolpio (Potter) e seu amigo Asciito (Keller) disputam o
afeto do jovem Gitone (Mas Born). Quando Encolpio é
rejeitado, ele começa uma jornada na qual encontra
todos os tipos de pessoas e de acontecimentos, entre eles
uma orgia e um desfile de prostituas na Roma Antiga. Durante
a orgia, prganizada por Trimalchio (Mario Romagnoli), encontra
um ex-escravo que menosprezou a mulher em troca dos prazeres
oferecidos por um jovem garoto. O filme é estruturado
em uma narrativa truncada, e é uma reflexão
sobre a sexualidade masculina e sua variações.
Cada trecho do filme trata de uma delas, como o homossexualismo,
e outras questões delicadas que envolvem o sexo. Apesar
de ser baseado na sociedade da Roma antiga, Satyricon reflete
também um momento de caos pelo qual a sociedade da
década de 60 vivia.
Ginger
and Fred
A
trilha sonora de Nicola Piovani lembra, clara e declaradamente,
os melhores momentos de Nino Rotta. Os personagens são
aqueles típicos rostos que Fellini, 67 anos, tão
bem vem desenvolvendo há quase 40 anos de cinema. São
seres sofridos, esperançosos, simples, emocionantes.
Um universo único e especial que faz do genial cineasta
italiano um realizador de tanta poesia e ternura como foi
Chaplin nos anos 20/30.
Com
seus artistas favoritos - a esposa Giulietta Massina (com
quem não filmava desde "Julieta Dos Espíritos",
1965) e Marcello Mastroianni, "Ginger E Fred" é uma
crônica nostálgica em torno do reencontro de
uma dupla de dançarinos de vaudeville que, 40 anos
após a separação, reencontram-se num
programa estilo Silvio Santos, em Roma.
Através
da dupla que lembrava Fred (Astaire) e Ginger (Rogers), Fellini
critica, mais uma vez, a televisão, homenageia seus
ídolos e traça uma sincera, às vezes
dolorida mas sempre poética, crônica da velhice.
"Ginger E Fred" é um filme que merece muitas (re)visões
e (re)apreciações, pois como um clássico
da literatura cresce a cada releitura, os filmes de Fellini
ampliam-se quanto mais mergulha-se em suas imagens, seu universo,
sua sonoridade - todo o clima que ele, como único realizador
nesta forma de contar uma estória, sabe realizar.
"Numa
entrevista, perguntaram-me sobre os comerciais que fui chamado
para criar depois que me tornei famoso. Contei então
uma história sobre o último roteiro para um
comercial que escrevi. Era um filmete publicitário
para um banco que pretendia se anunciar como hiper-seguro.
Então, pensei na seguinte estória: dois ladrões
entram no banco e gastam todo o tempo tentando perfurar a
caixa-forte - e, enquanto eles perdem tempo na tarefa, a polícia
recebe o alarme e corre para a agência assaltada (dá
pra imaginar que aqui seria uma narrativa com a clássica
estratégia do suspense através da montagem paralela).
Pois bem, quando enfim os bandidos terminam de abrir o cofre,
já cercados pela polícia, eles descobrem que
lá dentro não há nada além de
um bilhete, onde se lê que "este banco está
falido devido ao cachê de Federico Fellini"...
Federico Fellini
“Ele
era um colaborador que Fellini amava: uma espécie de
anjo apagado, indiferente a muitas coisas. Relembro muitas
coisas. Especialmente que era muito distraído. Em uma
ocasião, eu o visitei em sua casa. Ele estava sentado
em um sofá. Subitamente, retirou sua mão de
dentro de umas almofadas do sofá, segurando uma carta!
E me disse: “Madonna mia! Tenho que fazer um presente.
Dois jovens que eu conheço acabam de se casar”.
E eu perguntei: “quando?”. Rota olhou a carta
e disse: “…há sete anos”. Eu lhe
disse: “há muito tempo, Nino”. E ele me
respondeu: “compreenderão que sou distraído”.
Em outra ocasião Nino Rota estava tocando piano. A
seu lado, Fellini. Então, entrou um homem, que era
um advogado, e que havia vindo para falar com ele. Rota estava
compondo. Sem levantar a cabeça, pergunta ao advogado:
- De onde é?
- De Lecce (cidade no sul da Itália)
- E daí?
…E continuou compondo no piano. O homem deixou seu
cartão de visita e saiu, decepcionado porque Rota não
lhe prestou atenção.
Fellini disse a Rota:
- Por qual motivo você fez isso a esse bom homem?
- Qual homem?
- Esse que esteve aqui e que você tratou tão
mal! (Fellini conta a Rota tudo o que ocorreu). Ele te deixou
o telefone do hotel onde está.
- Não vi o homem, Federico! Você sabe como eu
sou distraído! Por favor, chama esse homem e pede desculpas.
- Eu, pedir desculpas de tua parte??
- Sim, por favor, eu não sei fazer essas coisas!
Fellini então telefona para o homem:
- Olhe, sou Federico Fellini, e queria pedir desculpas por
meu amigo.
- Mas, por qual motivo?
- É que quando ele disse “De onde o senhor é…?”
- De Lecce!
- Eu sei, deixe que lhe conte. Quando ele lhe perguntou “de
onde o senhor é?”..
- De Lecce!
- Eu sei, cazzo!! Deixe lhe contar que a história é
minha! “roteirista e poeta italiano Tonino Guerra.