Um
Estranho no Ninho
(One Flew Over the Cuckoo's Nest, 1975)
Uma obra-prima
do cinema, perfeita em todos os aspectos.
Talvez,
mais brilhante que o mérito de Milos Forman por ter
dirigido essa obra-prima do cinema mundial seja a história
da produção em si. Um sonho de Michael e Kirk
Douglas que apenas após muita luta, muito trabalho
e muita espera foi realizado, ao ser lançado “One
Flew Over The Cuckoo’s Nest”.

01
Jan 1966 - Kirk Douglas, Michael Douglas
(Photo by Hulton Archive/Getty Images)
Tudo começou
no ano de 1961 quando um homem chamado Kirk Douglas carregava
uma paixão consigo. Kirk, desde que lera o livro que
deu origem à “One Flew Over The Cuckoo’s
Nest” ficara encantado com o mesmo. E isto, passou de
pai para filho, tamanho a admiração do ator
pelo projeto. Michael Douglas sempre compartilhou e conservava
a mesma paixão pela obra que seu pai.
Curiosidades
a parte, o fato é que Kirk Douglas levou sua paixão
pelo livro a um lado muito mais prático e passional;
o ilustre astro do cinema acabou decidindo por levar o projeto
aos teatros de todo o mundo; era uma ambição
grande, entretanto, Kirk acreditava cegamente na grande capacidade
que a obra possuía.
Infelizmente,
o sonho de Kirk quase veio por água abaixo. A peça
foi um fracasso total, absoluto. As pessoas não compreendiam
a essência da peça ou a mesma não passava
uma certa fidelidade ao público como o filme ou o livro,
por exemplo. O público simplesmente não entendia
e não gostava da forma como os atores (cujos personagens
eram doentes mentais) eram tratados e assim, acabaram causando
uma certa aversão à peça. Por conseqüência
desse “mau recebimento” do público, a obra
veio a fracassar do ponto de vista econômico (e rentável)
cinco meses após sua estréia.
Kirk chegou
até mesmo a abaixar o seu próprio salário
para manter sua paixão acesa e tentou que os outros
atores fizessem o mesmo, entretanto, não conseguiu.
Estava enterrado um dos maiores projetos de Kirk; contudo,
o mesmo nunca descartou a possibilidade de encenar a peça
novamente.
Michael
Douglas, vendo, vivendo e nutrindo a paixão de seu
pai, acabou por tomar as rédeas do projeto e decidiu
levá-lo a frente mais uma vez, mas agora adaptando-o
aos cinemas, ao invés dos teatros. A missão
era difícil, até porque depois do fracasso da
peça nenhum grande estúdio gostaria de realizar
o filme, portanto, o projeto iria dispor de um orçamento
muito reduzido.
A
Procura Por Um Elenco
Michael,
agora líder do projeto e produtor do futuro filme,
e Kirk não tinham dinheiro algum para gastarem com
“grandes astros” do cinema no elenco de “Um
Estranho no Ninho”, entretanto, eles sabiam que precisariam
de um grande diretor para a obra. Em uma de suas viagens pelo
mundo, Michael e Kirk encontraram um amigo e jovem diretor
chamado Milos Forman e, depois de longa conversa, perguntaram
a Milos que se eles enviassem um livro para o diretor e se
ele gostasse, ele consideraria a hipótese de levar
o projeto às telonas. A resposta de Milos foi imediata,
um claro e sonoro “sim”!

Milos
Forman, 1970.
Anos se
passaram, o livro já tinha sido enviado a Milos, contudo,
o mesmo nunca respondera aos chamados de Kirk e Michael. Dez
anos se passaram quando Michael resolveu mandar outra cópia
do livro para Milos. E dessa vez o diretor respondeu! Milos
havia aprovado o projeto! Michael foi correndo ao encontro
de Milos e não perdeu a chance de perguntar: “Por
que não me respondeu antes?” O diretor disse
que nunca havia recebido cópia alguma do original mandada
por Kirk e que aquela era a primeira versão da obra
que ele havia posto os olhos.
Mais tarde,
ambos descobriram que o livro que Kirk havia mandado para
Milos havia ficado retido na alfândega e o diretor nunca
recebera um aviso para ir lá buscá-lo. Se não
fosse pela persistência da “família Douglas”,
o filme jamais teria saído do papel, uma vez que Kirk
havia comprado os direitos autorais da obra. Uma vez encontrado
o diretor e tendo o roteiro em mãos, o próximo
passo era achar um excelente produtor (além do próprio
Michael) que tornasse o projeto viável. Foi assim que
eles chegaram à Saul Zaentz. Os passos que se seguiram
a partir desse encontro traçaram as linhas de como
a produção seria realizada.

LONDON
- 23 Feb 2003 - Saul Zaentz
(Photo by Dave Hogan/Getty Images)
Foi nesse
momento que Kirk Douglas abandonou o barco, pois ele divergia
e impunha muita resistência as idéias de Saul
Zaentz. Entretanto, o próprio Kirk confessou depois
que adorou o trabalho feito por Saul, Douglas e Forman, e
considerou realizado seu sonho de épocas teatrais.
Um dos
elementos que tomaram um considerável tempo da fase
de pré-produção do filme foi a escolha
dos atores da película. Nesse item foram magistralmente
perfeitos nas escolhas. Todos os coadjuvantes são de
um nível tão excepcional, que estão constantemente
na mídia, como é o caso de Christopher Lloyd
(De Volta Para o Futuro) e Danny DeVito (Los Angeles –
Cidade Proibida).

O
Início de um Sonho
A escolha
do protagonista principal, definitivamente, não foi
fácil. Encontrar uma pessoa que se adaptasse a genialidade
do personagem Mac (Randle Patrick McMurphy) era uma missão
quase impossível. Mac é um típico anti-herói,
o rapaz que cometeu delitos, mas ao longo da projeção
vai conquistando aos poucos a simpatia e a aprovação
do público. Antes de Nicholson, dois outros atores
haviam recebido convites de Milos: Marlon Brando e Gene Hackman.
Ambos recusaram. Foi então que Saul Zaentz citou o
nome de Jack Nicholson, um jovem ator de qualidade que tinha
a cara de Mac e ainda por cima, era barato. Jack fez alguns
testes e logo Milos proclamou: “Esse é o meu
homem!” Porém, os problemas não pararam
por ai. Logo que as filmagens de “Um Estranho no Ninho”
estavam prestes a começar, Nicholson informou à
produção que deveria largar o projeto pois por
força de contrato com outra produtora ele deveria filmar
um outro filme naquela mesma época.

Jack
Nicholson in One Flew Over the Cuckoo's Nest (1975)
A resposta
de Forman veio de imediato: “Sem problemas, esperamos!”
E por mais sete meses o filme foi adiado. Passado o período,
Nicholson voltou e finalmente tiveram inicio as filmagens.
“Um Estranho no Ninho” conta a história
de Rundle Patrick McMurphy que, para não ficar na prisão,
inventa uma suposta doença mental e acaba indo parar
num hospital. Ele acaba tentando mudar o “ânimo”
do local jogando cartas e basquete com seus quase inanimados
companheiros. Entretanto, quase sempre Mac acaba por entrar
em conflito com a enfermeira-chefe do local, Mildred Ratched
(Louise Fletcher).
As filmagens
da película são praticamente um capítulo
à parte na história da mesma. Saul Zaentz e
Michael Douglas visitaram quatro hospitais diferentes até
que encontraram um onde pudessem rodar o filme. O filme é
praticamente todo gravado dentro de um hospital, só
há uma cena que não é filmada dentro
do hospital.

Sydney
Lassick (Charlie Cheswick);Jack Nicholson (McMurphy);Will
Sampson (Chief)
A história
dessa tal cena externa é cômica, bem como toda
seqüência. Forman sempre foi muito relutante na
hora de selecionar as seqüências que entrariam
no filme e as que eventualmente ficariam de fora. Inicialmente,
essa cena não era prevista para entrar na edição
final do filme, mas após Douglas, Zaentz e todo elenco
praticamente implorar, ele resolveu incluí-la. E acredite,
a forma como ela foi gravada é extremamente real. Você
vê aquele bando dentro de uma lancha de porte médio.
Até ai tudo bem se não fosse pelo fato que,
como explicado no making of do filme, apenas Jack Nicholson
não estava enjoado. É muito mais engraçado
ver a cena sabendo que aquelas caras de nojo são verdadeiras.

One
Flew Over the Cuckoo's Nest
Todo o
filme foi filmado na seqüência que você vê
na produção (o que é uma coisa rara de
se ver), com exceção da cena externa que, devido
a relutância de Milos, foi filmada por último.
Praticamente dias antes das filmagens terem inicio, os atores
já se encontravam no hospital, literalmente morando
lá, aprendendo a se comportarem como pacientes. Danny
DeVito (que interpreta Martini) e outros , chegaram a freqüentar
sessões de terapia de grupo por horas, dias a fio.
As cenas
de terapia em grupo representam algumas das melhores seqüências
do filme. É interessantíssimo saber que várias
tomadas dessas terapias foram feitas sem os atores saberem
que estavam sendo filmados. Milos sempre desejara o máximo
de veracidade das sessões de terapia por parte dos
atores.

"Big
Nurse" Holly Jeanne intimidates her patients in a group
therapy session in this scene from the Huntington Beach Playhouse
production of "One Flew Over the Cuckoo's Nest."
Jack Nicholson
em plena forma. O vigor e a energia que o ator tinha eram
mais do que necessários para que um personagem como
Randle Patrick McMurphy se tornasse real. E Jack soube dar
como ninguém vida ao personagem.
Ele sempre
deixava os atores do filme mais “soltos”, por
suas piadas “fora do roteiro” que ele inseria
de ultima hora (e que entravam nas seqüências).
Suas cenas em “Um Estranho no Ninho” são
memoráveis e já entraram há muito para
a história do cinema.
Umas das
relações mais legais do filme também
(além da principal – Mildred vs McMurphy) é
entre Mac e o “chefe”, o grande e mudo índio.
Desde as primeiras seqüências na quadra de basquetebol
até momentos antes de Mac tomar “um choque”,
a relação entre os dois é muito divertida
e a prova disso são as risadas que as seqüências
geram ao público.

Mac
and Chief
Will Sampson,
que interpreta o “chefe”, foi uma peça
difícil de ser encontrada para que se encaixasse ao
elenco de “One Flew Over The Cuckoo’s Nest”.
Quando as filmagens estavam prestes a começar, os produtores
ainda estavam a procura de alguém que se encaixasse
perfeitamente no papel e que tivesse as mesmas características
que o índio do livro apresentava. Foi ai que Zaentz
ligou pra Michael Douglas e disse que tinha achado o homem
pelo qual eles estavam procurando. Não era uma escolha
fácil. Não é em qualquer esquina que
você encontra um ator estreante como Will Sampson, dando
fidelidade ao personagem do livro. Uma “peça”
muito difícil de encontrar-se, visto que a maioria
dos descendentes indígenas são baixos e ele
era monstruosamente alto. Infelizmente Sampson veio a falecer
em 3 de junho de 1987, doze anos após a estréia
da película, por complicações cardíacas.
Mildred
Ratched
Um dos
personagens que mais fazem frente a Mac em termos de qualidade
neste filme é o da atriz Louise Fletcher. Inicialmente
a idéia para a personagem que faria a enfermeira daquela
ala do hospital seria a imagem da “encarnação
do mal” em pessoa. Entretanto, ao passo que as filmagens
começaram, as coisas mudaram totalmente de rumo.

Mildred
Ratched
Mildred
não poderia ser vista como a “encarnação
do mal”, até porque Louise Fletcher era bonita
demais para demonstrar tendências tão maquiavélicas.
Então a personagem foi reestruturada. Mildred não
mais seria uma personagem 100% má; ela ainda faria
de certa forma mal aos internos, entretanto, seu jeito sempre
suave, tênue e não-agressivo balancearia a personagem
e daria um charme todo pessoal à enfermeira Ratched.
A enfermeira
acredita que está se esforçando para apenas
fazer e praticar o bem dos pacientes, entretanto, muitas vezes
o oposto é o que ocorre. Não há quem
não se encante com a beleza de Mildred a primeira vista.
Aprende-se a odiá-la. Belíssimo, exímio
trabalho de Louise Fletcher.
Uma curiosidade
por parte da atriz é que ela sempre reclamava que os
outros atores sempre estavam se divertindo com seus personagens,
falando besteiras, enfim, atuando como os loucos que deveriam
parecer mesmos; enquanto isso, a personagem de Louise era
sempre de postura rígida, forte e marcante. Até
que um dia Louise não agüentou. Ela reclamava
tanto que não podia se divertir com seu personagem
como os outros faziam que simplesmente resolveu tirar a roupa
no meio dos sets de filmagem.
O
Sonho Realizado
As premiações
consagradoras que o filme ganhou deram um toque especial ao
sonho realizado de Kirk e Michael Douglas. Entre as premiações
que “Um Estranho no Ninho” levou destacamos: Todos
os Globos de Ouro que disputou; 6 BAFTA’s, incluindo:
ator, atriz, direção, filme, edição
e ator coadjuvante; 5 Oscar, incluindo: ator, atriz, diretor,
filme e roteiro adaptado.

Producer
Michael Douglas, director Milos Forman, actress Louise Fletcher,
actor Jack Nicholson, and producer Saul Zaentz celebrate with
their One Flew Over the Cuckoo's Nest Oscars (photo by Frank
Edwards)

Ken
Kesey
Ken Elton
Kesey (nascido em La Junta, Colorado, 1935), com a publicação
de seu livro “Um estranho no ninho”, passou a
ser considerado pela crítica literária do início
dos anos 60 como um dos mais promissores talentos surgidos
da segunda leva da Beat Generation (movimento surgido por
volta dos anos 40, que teve em Jack Kerouac, Allen Ginsberg
e William Burroughs alguns de seus pioneiros e maiores expoentes).

Ken
Kesey
Ele está
situado em um fino limiar que existiu entre a Lost Generation
dos anos 40/50 e os Hippies dos anos 60 (estes últimos
tendo em Ken um grande referencial para sua filosofia “drop
out”). Quem já leu o livro (ou assistiu ao filme),
sabe que Kesey era um intelectual que demonstrava largo conhecimento
sobre a sociedade em que vivia e os valores rígidos
que essa sociedade prezava. Após ter conquistado inúmeros
prêmios literários, além do respeito de
seus pares e da imprensa especializada, tudo sinalizava a
garantia de um futuro financeiro estável e tranqüilo.
O que mais poderia querer um sujeito nascido em La Junta?
Mas Kesey pretendia mais, algo diferente de um futuro financeiro
garantido e tranqüilo, queria ir “além”,
literalmente.
Kesey,
como boa parte da elite artístico-cultural de meados
dos anos 50, vinha experimentando entorpecentes e drogas alucinógenas
variadas, aplicando seus efeitos no trabalho que produzia
e na vida que levava. Aliás, Kesey escreveu “Um
Estranho no Ninho” no período em que foi voluntário
no programa governamental secretamente financiado pela CIA,
que estudava o efeito de drogas psicoativas na busca de uma
arma química (a grande piada que Kesey contava era
testemunhar solenemente que o melhor ácido que tomou
em sua vida foi pago pelo Governo dos EUA).
O “american
way of life”, que era exportado para o mundo inteiro
por meio do cinema, não era a realidade que vivenciava
parte daquela geração que não encontrava
todas as respostas às suas dúvidas materializadas
em liqüidificadores, lavadoras de louça automáticos
e inúmeros outros gadgets eletroeletrônicos então
recém-inventados

President
Eisenhower
Como primeiro
passo para fugir de toda a parafernália urbana que
o cercava, Ken juntou sua grana e comprou um refúgio
nas montanhas de São Francisco, numa localidade chamada
La Honda, e ali começa a viver os grandes dias de sua
“viagem”. Com uma personalidade carismática,
foi inevitável a atração que Ken exerceu
sobre outras pessoas também cansadas das respostas
de conveniência do status quo vigente e de suas vidas
café-com-leite-gravata-trabalho-casa-pijama-igreja-aos-domingos.
Apareceram primeiro alguns velhos conhecidos que haviam cursado
faculdade em Stanford com Ken, depois vieram novos membros
para o bando que acabou se tornando conhecido como Merry Pranksters
(algo que em tradução livre, sugere termos dúbios
como “Festivos Gozadores” ou “Alegres Brincalhões”).

Kesey
at La Honda in 1965/66
Em La
Honda, eles formaram a pioneira comunidade alternativa dos
anos 60 e passaram os dois primeiros anos daquela década
em longas terapias alucinógenas, para se depurarem
de “anos de realidade”, ouvindo as “palestras”
de Ken, curtindo o Soul Jazz de Jimmy Smith e Horace Silver,
e criando os mais variados e exóticos tipos de arte:
desenhos, máscaras, chapéus, quadros, cartazes,
poemas, gravações de ruídos, jogos de
palavras e luzes.
Além
das festas que ficariam famosas primeiro na região
de La Honda, mas que logo começariam a atrair personalidades
de San Francisco, Los Angeles e até de outros países.
Nas festas, o prato principal era o ponche, que tinha uma
receita pra lá de incomum: para cada litro de suco
de laranja um quarto de um Ácido Lisérgico Dietilamida,
ou Lucy in the Sky with Diamonds, ou LSD para os mais práticos.

Roy
Sebern and friends at La Honda in 1965/66.
Havia
também um happening que consistia na leitura de poemas
e textos, mais tarde alguém improvisava um som e todos
caíam na mais alucinada farra que a America já
tinha visto. Essas festas foram o embrião para o que
tempos depois seriam os Acid Tests, não é de
estranhar que logo a fama de Kesey e de seus Pranksters tivesse
rompido barreiras geográficas e chegado aos ouvidos
da galera de Nova York, nominalmente Timothy Leary, considerado
por muitos o "pai do Movimento Psicodélico”.

Ken Kesey,
who was at the center of the psychedelic counterculture
on the West Coast, speaks with his band of Merry Pranksters
San Francisco, 1966.
Leary, contudo, médico que era, levava uma vida extremamente
reclusa em sua mansão, com seu séquito fazendo
da experiência com o ácido algo que, num primeiro
momento, era revestido de uma solenidade quase acadêmica,
ficou sabendo que havia um alucinado na Califórnia
que vinha usando e abusando do LSD como instrumento de exploração
do subconsciente, mas tudo num nível que desafiava
qualquer seriedade, o que o levou a pensar em Kesey e seus
palhaços elétricos mais como um obstáculo
em sua séria missão - convencer a mídia
e os políticos de que o LSD era um medicamento que
revolucionaria positivamente as relações humanas
naquela década e que todos deveriam ter o direito de
tomá-lo, após alguns prévios exames.

Timothy
Leary
Somente
por volta de 1967, Leary passou a encarar o que vinha “fazendo”
de maneira menos hermética, mais livre de concepções
científicas, e começaria a dar festas também
antológicas, bolando o slogan do que mais tarde viria
a se tornar o movimento psicodélico: “turn on,
tune in & drop out” (algo como “se liga, entre
na onda e caia fora [do sistema]”).
Em 1964,
Kesey, mesmo vivendo sua rotina incomum, consegue retirar
lógica sabe-se lá de onde, escreve e publica
“Sometimes a Great Notion”, seu segundo romance,
que quando lançado não alcança o êxito
editorial de “One Flew´s Over a Cuckoo’s
Nest”, mas garante nova remessa de verdinhas para seu
bolso e combustível para mais uns quatro anos de “viagem”.
Aliás, nesse mesmo ano, rolava a Feira Mundial em Nova
York e alguém dos Pranksters sugere que eles se mandem
para lá, dada a enorme audiência do evento, seria
o local ideal para que eles mostrassem o que andavam urdindo
em La Honda. Todos sabiam que seria um enorme fiasco um "stand”
apresentando as benesses que o consumo do LSD traria para
as pessoas, enquanto ao lado era apresentado ao mundo, inovações
tecnológicas, como a “meia calça sem costuras”.
Conta-se
que Kesey caiu na gargalhada, e como farsa era a sua praia,
topou de imediato. Fazia algum tempo que ele queria cair na
estrada, refazendo a grande trip de Jack Kerouac nos anos
40 (retratada no clássico “On The Road”).
Compra então um ônibus escolar, instalam todo
tipo de aparelhagem sonora e uma câmera 16 mm para filmarem
tudo que se passaria na epopéia, sapecam uma pintura
bem “discreta” na lataria e colocam naquele espaço
para indicação do destino: “Furthur”
(gíria que funde na mesma palavra “além”
e “futuro”).

Furthur
Mas quem
os levaria? Não poderia ser qualquer um. Neal Cassady
andava zanzando pelas festas de Kesey, quem melhor que ele,
o grande inspirador de Kerouac em On The Road, para guiar
os Pranksters em sua odisséia, como se fora um Ulisses
moderno? Estava decidido, Cassady “Speed limit”
seria o driver da segunda mais importante viagem da história
contemporânea dos EUA. Uma viagem dentro da “viagem”.

Neal
Cassady (right) with Timothy Leary in 1964.
Mas além
da grande afronta ao establishment sugerida pelos Pranksters,
Kesey tinha vários outros planos para a trip. Pretendia
além de filmar tudo e lançar para a posteridade
um documentário sobre a jornada, faturando um pouco,
criar eventos pelo percurso. "Que tal se montassemos
uma festa itinerante, onde todos que quisessem tivessem acesso
à experiência com a mágica?”, propôs
Kesey. “Yeah!” Foi o consenso geral. Kesey então,
se lembrando que havia sido o governo quem financiara suas
primeiras alucinações, sacou: “o Tio Sam
vai dar ácido pra quem quiser!” A partir dali
criou o visual que se tornaria sua marca registrada, o Tio
Sam Bozo e partiram de La Honda.

Acid
test 1960's, with Kesey and Babbs
É
claro que a America não passaria no “teste”.
Essa “viagem” aliás, levaria o país
a novo patamar de piração e paranóia.
Enquanto as farmácias norte-americanas ainda vendiam
gomalina apenas com receita médica e os pastores do
cinturão bíblico tentavam fazer crer que os
Beatles eram mensageiros do demônio (e veja, isso era
1964, os Beatles ainda eram certinhos ), lá vinham
aqueles palhaços multicoloridos, em um ônibus
que fazia doer as vistas de tanta cor berrante, falando coisas
indecifráveis como “expansão da mente”
e distribuindo um “suco de laranja elétrico”,
num tal de teste do ácido.

Futhur
O que
seria aquilo? Depois de um tempo, claro, a polícia
foi comunicada pelas agências de inteligência
sobre o que era o LSD e quais efeitos a droga causava. Passou
então a seguir os Pranksters, a onde quer que fossem,
tentando antecipar onde seriam os testes do ácido,
mas na verdade sem poder proibir o seu acontecimento, já
que o LSD ainda não era droga ilegal no país.
Em meados de 1965, os testes do ácido já haviam
se tornado eventos ultra-cult, sendo quase um selo cool para
aqueles que já tivessem participado de um.
Por essa
época os eventos já tinham uma estrutura completamente
diferente da proposta inicial, transformaram-se em eventos
semi-profissionais, com locais alugados para abrigar os happenings,
luzes estroboscópicas sendo instaladas para otimização
dos efeitos alucinógenos, e uma banda que foi praticamente
criada para tocar nas “sessões de magia elétrica”,
os Warlocks, que logo depois adotariam outro nome, “Grateaful
Dead”, iniciando a cena “acid rock” de San
Francisco, que contaria ainda com Moby Grape, Jefferson Airplane
e Janis Joplin e o Big Brother & Holding Company, só
para citar alguns dos mais famosos.

Music
was invariably provided by the Grateful Dead,
show performing in Palo Alto as the Warlocks in 1965.
Kesey,
sempre no “comando da anarquia”, foi o apresentador
oficial do ácido para mais gente que qualquer outro
ícone dos anos 60, incluindo o próprio Timothy
Leary, que num primeiro momento ficou mais restrito à
elite e a círculos mais discretos, como os ícones
do jazz John Coltrane e Thelonious Monk.
Mas muitos
do meio artístico encontraram mais simpatia no seu
discurso “anti-discurso” do que no proselitismo
acadêmico de Leary. Bob Dylan, Joan Baez, Keith Richards,
Brian Jones (com quem Kesey conversou demoradamente sobre
pintura e as possibilidades da cor negra - paint it black)
e artistas de todas as vertentes, além da galera “comum”
que comparecia às toneladas nos eventos, tiveram sua
primeira experiência com LSD num Acid Test. Os Tests
chegaram a um nível alarmante de popularidade entre
os formadores de opinião da costa oeste dos EUA, sendo
aqueles primeiros eventos o esboço de um movimento
que pouco tempo depois seria rotulado de Psicodélico
e que mais tarde seria agregado a algo muito mais abrangente
chamado “Contracultura”, uma alternativa à
cultura dos Ed Sullivans, American Bandstands e Life Magazines.

Brian
Jones and Bob Dylan
Kesey
foi uma das principais centelhas que acenderam o pavio para
a explosão revolucionária do anos 60. O cenário
já estava sendo montado desde os Beats nos anos 40/50,
mas só então alcançou o ponto de fervura,
encontrando grande repercussão entre os jovens, que
sob a constante ameaça de destruição
nuclear supostamente iminente, queriam mais é viver
intensamente o “hoje”, já que o “amanhã”
era duvidoso. Os questionamentos aos valores vigentes dos
pioneiros Beatnicks já haviam entrado na corrente sanguínea-sensorial
da maioria daqueles jovens, igualmente reprimidos e sem perspectiva
de um futuro. Mas só partiram da tese para a prática;
só então se imbuíram de coragem para
contestar ordens como “Tio Sam precisa de você,
vá morrer no Vietnã pelo seu país!”;
só então viram que tinham poder de fazer alguma
coisa, pelo menos por si mesmos. Em algum tempo, toda uma
geração de baby boomers estava largando parentela
e empregos na sapataria da esquina para viajar milhares de
milhas pelo país. Tudo, literalmente tudo, seria questionado
e virado ao avesso, quando não destruído, assuntos
então tabu, como sexualidade e a política externa
do governo passariam a ser matéria de discussões
inflamadas em qualquer esquina, desde o Wisconsin até
Little Rock, no Arkansas, onde um certo Bill Clinton fumava
mas não tragava mariajoana.
Mariajoana
seria, aliás, o motivo que a polícia encontraria
para prender Kesey que voltava de um exílio no México.
Como quase tudo que cerca essa história, é surrealista
que um sujeito que tomava LSD no café-da-manhã-almoço-jantar
tenha sido preso por porte de uma bituca de capim, mas eram
os anos 60 e nada parecia fazer sentido.

Easy
Rider
Kesey
foi preso, mas quase todos os coelhos já tinham saído
de sua cartola, como se das rodas daquele ônibus partissem
descargas elétricas que chacoalhavam todos os nervos
de uma America que se recusava a acordar, mesmo à beira
da convulsão social. Movimento estudantil e de manifestação
contra a Guerra do Vietnã, luta pelos direitos civis,
revolução sexual, rock, soul music, Haight-Ashbury,
Verão do amor, Pet Sounds, Sgt. Pepper´s, Street
Fighting Man, Hendrix, Aretha, Doors, Easy Rider, Woodstock,
Kent State, Charles Manson, tudo amarrado, tudo sem controle,
tudo explodindo na cara do Tio Sam. O Governo então,
proíbe o uso, fabricação e distribuição
de LSD no país (mantendo secretamente a pesquisa do
psicoativo). Dizia a esquerda que a direita conclamava: “Deus
salve a America, vamos matar mais alguns negros e democratas,
tornar o alistamento obrigatório e mandar essa cambada
de hippies ter alucinações no verde explosivo
das florestas do sudeste asiático”. Como os EUA
são o centro do capitalismo, por volta de 1968, o Movimento
Psicodélico e a própria Contracultura já
começavam a ser assimilados pela mainstream e a comercialização
do hip (gíria que designava tudo aquilo que era “legal”,
“moderno”, “atual” e que viria a gerar
outra gíria, o hippie) seria a resposta do stablishment
a tanta revolução e o começo do fim de
uma era em que se ousou demais.
Depois
que saiu da prisão, Kesey se mudou para uma fazenda
no Oregon para viver com sua família. Só publicou
seu terceiro livro de ficção, "Sailor Song",
em 1992. Mas ele nunca sossegou totalmente. Disse, por exemplo,
no seu site pessoal que vira e mexe sentia uma coceira de
fazer "algo estranho".

Ken
Kesey on his Oregon farm, November 1979
Kesey
faleceu de câncer em 2001.

Page
of notes on "One Flew Over the Cuckoo’s Nest".
Fontes:
Guilherme Rodrigues; "O Teste do Ácido do Refresco
Elétrico", de Tom Wolfe (publicado no Brasil pela
Rocco). “Spit In The Ocean”, vols. 1 a 7. "Beat
Generation", Márcio Ribeiro – Whiplash;
Camilo Rocha e Tony Pugliese
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