Uma Fender
azul-fusquinha na mão, uma barba de três dias,
um jeans velho ainda vincado pela corda do varal. Eric Clapton,
que festejou seus 70 anos na segunda-feira, dia 30 de março
de 2015, não usa muitas armas.
Sua capacidade
de fazer a guitarra falar é muito conhecida e o coloca
no panteão mais alto do instrumento - ao lado de Jimi
Hendrix, Duane Allman, Jimmy Page, Jeff Beck. Clapton parece
carregar um desses dicionários Webster's inteiro em
seus riffs (ou quem sabe um Houaiss, pela abrangência
cultural).
Remanescente
de uma época em que a indústria da música
ainda não tinha se tornado cínica, as aparições
de Clapton parecem atestar que a boa música pode sobreviver
à infâmia, ao mercantilismo, ao teatrão,
à manipulação.
March 2, 2015 Eric Clapton
Ele se
torna um septuagenário, mas é, como dizem os
anglofalantes, "timeless" (não tem época,
pertence a todas elas). Não é por acaso que
toca canções dos anos 1930, 1940 e 1950 fora
de seus compartimentos históricos, como fez na última
vez em que esteve no Brasil, em 2011, no Estádio do
Morumbi.
Eric Clapton and His Band headlined the final
two nights of the 2013 Baloise Sessions in Basel, Switzerland.
Eric Clapton
comemorou seu aniversário com dois shows no Madison
Square Garden de Nova York nos dias 1 e 2 de maio. Ali naquele
mesmo palco, ele já fez mais de 40 shows, um deles
memorável – com o Cream, em 2 de novembro de
1968, dia em que ele mudou a forma como os guitarristas encaravam
o seu instrumento. E nos dias 14 e 23 do mesmo mês,
Clapton voltou a sua terra natal, a Inglaterra, para uma temporada
no Royal Albert Hall.
Vida e Percalços
Nunca um artista falou tão pouco e disse tanto. Homem
de poucas palavras, fez de sua guitarra uma das vozes mais
persuasivas da música. Nascido em Ripley, Inglaterra,
em 30 de março de 1945, tinha 6 ou 7 anos quando descobriu
que as pessoas que pensava serem seu pai e sua mãe
eram na verdade sua avó e seu avô de criação.
“A verdade desabou sobre mim, e quando meu tio Adrian
me chamou brincando de bastardinho, ele estava dizendo a verdade”,
conta o músico em suas memórias.
Clapton começou a tocar a guitarra aos 15 anos.
Ficou bêbado pela primeira vez aos 16 anos, e esse
hábito se tornaria tão freqüente que se
tornaria a grande maldição de sua vida. Ele
acrescentou depois a essa lista um coquetel infernal, que
teve a heroína como combustível principal.
Eric Clapton
Traiu o amigo George Harrison ficando com sua então
mulher, Patty Boyd (musa das suas canções Layla
e Wonderful Tonight), enquanto o guitarrista dos Beatles estava
num estúdio ao lado, e chegou a pensar em matar Mick
Jagger, dos Stones, quando este ficou com sua namorada italiana.
“Passei um bom tempo pensando em como destruí-lo.”
Eric Clapton and George Harrison
1987
Chegou a considerar seriamente o suicídio como uma
alternativa ao seu vício alcoólico. “Eu
tinha delírios de grandeza. Era disso que a bebida
era capaz: ela me dava uma ideia distorcida e iludida de que
eu era superimportante.”
Em meados dos anos 1960, os grupos eram os veículos
mais populares para a música, eram poucos os indivíduos
que sobressaíam - Clapton e Hendrix foram dois dos
maiores. Em 1963, ele integrava o grupo The Roosters e também
tocou com Casey Jones and the Engineers.
Em 1965, já estava nos Yardbirds. Com os Bluesbreakers,
foi e voltou e passou por outras “agremiações”
também, como Graham Bond Organisation e a banda de
Manfred Mann. Em 1966, já era o créme de la
crême: integrava o trio celestial Cream.
Teria ainda um período no Blind Faith, antes de juntar-se
a outro monstro, Duane Allman, no Derek and the Dominos. Influenciado
pelo blues americano de Robert Johnson, Guitar Slim, T-Bone
Walker e B.B.King, ele criou sua própria semântica
no instrumento e conta que foi a guitarra que salvou sua vida
inúmeras vezes. Nos anos 1970, sedimentou um blend,
uma mistura de ritmos fincada no gospel, honky tonk e reggae,
e que o projetou também como um estilo mais pop, comercial.
Eric Clapton, Micky Dolenz, Joni
Mitchell, and David Crosby hanging out at Cass Elliot’s
house in 1968.
Foi o primeiro a introduzir o formato Unplugged na MTV.
Mas sua via crúcis continuava. No Natal de 1981, chegou
a ser trancado pela mulher no quarto para parar de beber.
Houve um período em que comprou uma mansão num
paraíso tropical nas antigas terras da Indochina e
ficou ali, recluso, dedicando-se quase primordialmente ao
ato de encher a cara.
O momento mais trágico de sua vida foi quando teve
de reconhecer o corpo do filho Conor, de 4 anos, que despencara
de um edifício enquanto brincava com a babá.
Clapton tocou com Bob Dylan, Beatles e Rolling Stones. Parece
misantropo, mas é pródigo em parcerias: fez
discos memoráveis com J.J. Cale (The Road to Escondido)
e B.B. King (Riding with the King). Com Me and Mr. Johnson,
gravou 14 canções do seu ídolo máximo,
Robert Johnson. Clapton não parecia que chegaria aos
70 anos, mas parece que ele suplantou não só
o seu século, mas os que ainda virão.
Clapton não é Deus
Apesar da tocante canção Wonderful
Tonight, que fez para a então mulher, Pattie Boyd,
os versos de Clapton parecem não ter feito eco na companheira:
Pattie Boyd escreveu uma autobiografia na qual denuncia a
tara de Clapton pelo controle absoluto de seus relacionamentos
e revela alguns dos seus relacionamentos extra-conjugais.
“Por mais que eu achasse que amasse Pattie naquela época,
a verdade é que a única coisa sem a qual eu
não conseguiria viver era o álcool”.
ERIC CLAPTON | Live at Montreux
Jazz Festival 1986
Tem uma coisa sobre Clapton que deixou muita
gente com água na boca, quando ele revelou, em sua
autobiografia. Na festa de casamento com Pattie, meio mundo
apareceu, mesmo sem ter sido convidado: Jeff Beck, Bill Wyman,
Mick Jagger, Jack Bruce. Os músicos presentes organizaram
uma jam session, tocando números improvisadamente.
George Harrison, Ringo Starr e Paul McCartney
tocaram juntos e se divertiram muito, conta Clapton. “John
depois telefonou para dizer que também teria ido lá
se tivesse sabido.
Jamais saberei como isso aconteceu, basta dizer
que não tive muito a ver com os convites. Mas perde-se
uma ótima oportunidade de reagrupar os Beatles para
uma última apresentação”.
Houve uma recepção no Palácio
de Buckingham, e a rainha Elizabeth II resolveu puxar papo
com o cara ao seu lado. Perguntou Eric Clapton se fazia tempo
que ele tocava guitarra. “Faz 45 anos”, informou
o guitarrista. E o cerimonial teve de usar maquiagem para
a cara de tacho da rainha da Inglaterra.
Clapton performing at Hyde
Park, London in June 2008
De passagem pelo Canadá, em 1998, onde
divulgava seu álbum Pilgrim, o guitarrista ficou indignado
com artigos publicados em revistas e jornais do país
que reportavam as origens de sua família. Ele desmentiu
que teria duas meias-irmãs, filhas de um canadense,
Edward Fyer, que jamais conheceu. O pai de Clapton conheceu
sua mãe na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial
e a abandonou quando ela ficou grávida. Ele pensava
que era um banqueiro conservador.
Mais adiante, soube-se que fora um soldado canadense
que virou pianista de um hotel inglês durante a Segunda
Guerra e morreu de leucemia.
Eric Clapton performs at "12-12-12",
a concert benefiting The Robin Hood Relief Fund to aid the
victims of Hurricane Sandy. Kevin Mazur/WireImage for Clear
Channel
Frase
"Técnica demais invariavelmente
prejudica o sentimento. Quanto se trata de rapidez pela rapidez,
não há luz e sombra. Quanto melhor músico,
menos notas tocamos, e mais sensível é a dinâmica”.
Eric Clapton
Eric Clapton - New Orleans
Jazz & Heritage Festival 2014
Fontes: Steve Van Zandt (artigo
publicado na revista Rolling Stone, edição especial
Os 100 Maiores Artistas de Todos os Tempos); Textos: Jotabê
Medeiros; http://infograficos.estadao.com.br/public/especiais/eric-clapton-70-anos/;
http://psychojello.tumblr.com/post/24448350391/psychojello-eric-clapton-micky-dolenz-joni