Por Roberto Elísio
dos Santos
26/6/2006
Centenário
de Billy Wilder, o diretor “mais
selvagem” de Hollywood
Se estivesse vivo, o cineasta completaria 100 anos e
provavelmente teria uma frase cínica para comentar
a ocasião, seguindo o padrão dos diálogos
inteligentes que escrevia para seus filmes
“Ninguém
é perfeito”, atesta o personagem do cômico
Joe E. Brown na cena derradeira de "Quanto mais
quente melhor" (Some like it hot, 1959). E é
justamente da imperfeição humana que o
diretor de cinema Billy Wilder sempre tirou material
dramático para dar vida aos personagens engraçados
ou trágicos que aparecem nos filmes que escreveu,
produziu e dirigiu.
Origem
Nascido
em 22 de junho de 1906, em uma cidade pertencente ao
império austro-húngaro, Samuel Wilder
cresceu em Viena, onde batalhou pela sobrevivência
como dançarino e jornalista. Sua carreira no
cinema teve início na Alemanha, onde foi roteirista.
Mas, com a ascensão do nazismo, em 1933, mudou-se
para a França.
Sua
estréia como diretor, ao lado de Alexander Esway,
aconteceu em 1934 com "Semente
do mal" (Mauvaise Graine), filmado em Paris.
A trama acompanha o envolvimento de um jovem, filho
de um médico conceituado, com uma quadrilha de
ladrões de automóveis. Desentendimentos
com o chefe da gangue e a paixão por uma garota
que integra o bando o levam a redimir-se. Embora tenha
envelhecido como narrativa cinematográfica, a
história já antecipa a visão crítica
do cineasta em relação à sociedade.
Formalmente distante das obras vanguardistas da época,
e também do realismo poético francês,
o filme assemelha-se às produções
de Hollywood.
Na
Meca do cinema americano
A
capital do cinema norte-americano foi o refúgio
natural para o rapaz judeu que precisava sair da Europa
– o Holocausto custou a vida de familiares e amigos
do cineasta. Sua chegada a Hollywood aconteceu no início
de 1934, por obra do diretor Joe May, que o havia conhecido
enquanto trabalhava na Alemanha. Mas não foi
fácil estabelecer-se como roteirista, uma vez
que tinha dificuldade com a língua inglesa. Tratou
de ler livros e histórias em quadrinhos para
entender melhor o idioma.

Em
1936, foi contratado pela Paramount para trabalhar como
roteirista do filme "A oitava
esposa de Barba Azul" (Bluebeard's eighth
wife), comédia dirigida pelo consagrado cineasta
alemão Ernst Lubitsch e co-escrita por Charles
Brackett. Esses dois profissionais do cinema influenciaram
a trajetória de Billy Wilder em Hollywood. Lubitsch,
por seu humor sutil, e Brackett, um escritor americano
sofisticado e conservador, com posições
políticas diferentes das de Billy Wilder, de
quem se tornou parceiro em diversos projetos, muitos
deles memoráveis, como "Ninotchka".
Dirigido por Lubitsch em 1939, "Ninotchka"
consagrou-se como o filme em que Greta Grabo ri. Interpretando
o papel-título, a de uma comissária comunista
russa que, em missão por Paris, a personagem
título apaixona-se pelo playboy vivido por Melvyn
Douglas e adere ao capitalismo. A versão musical
da Broadway realizada em 1956 foi adaptada no ano seguinte
para o cinema pelo produtor Arthur Freed com o título
Meias de seda (Silk Stokings), com Fred Astaire e Cyd
Charisse encabeçando o elenco.
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Outra
parceria de Brackett e Billy Wilder resultou no
roteiro de "Bola de Fogo"
(Ball of fire), dirigido em 1941 por Howard Hawks.
Esta comédia tresloucada surgiu de uma idéia
que o roteirista havia concebido antes de sua saída
da Alemanha. Trata-se da versão cômica
de Branca de Neve e os sete anões: para fugir
da polícia e de gângsteres, uma dançarina
de strip-tease (Barbara Stanwyck) precisa se refugiar
na casa onde uma equipe de professores está
escrevendo uma enciclopédia. Um dos pesquisadores
(interpretado por Gary Cooper), tímido e
ingênuo, vê nela a oportunidade de escrever
um verbete sobre as gírias faladas pelos
jovens e, apesar da diferença entre os dois,
acabam se apaixonando. |
A
primeira oportunidade de mostrar seu talento como diretor
surgiu em 1942, no filme "A
Incrível Suzana" (The major and the
minor), escrito por Billy Wilder e Charles Brackett.
Comédia de enganos, o enredo acompanha uma jovem
(Ginger Rogers), que, para pagar meia passagem de trem,
precisa passar-se por criança de 12 anos. Enquanto
evita os fiscais da ferrovia, ela acaba se envolvendo
com um soldado (Ray Milland) e deixa a desconfiada noiva
do militar enciumada. Levada a uma escola para cadetes,
a “lolita” desperta o interesse do major
que a protege e que não sabe ser ela uma mulher
madura. Em 1955, Jerry Lewis protagonizou uma refilmagem,
O Meninão (You're never too young), dirigido
por Norman Taurog. E, em 1957, Wilder retomou a paixão
de um homem mais velho por uma jovem moça na
comédia romântica "Amor
na Tarde" (Love in the afternoon), estrelada
por Audrey Hepburn e Gary Cooper.
Mas
antes disso ele fez três filmes sérios:
o drama de guerra "Cinco
Covas no Egito" (Five graves to Cairo),
de 1943; "Pacto de Sangue"
(Double indemnity, 1944), adaptação do
romance-noir de James Cain, escrito por Wilder e por
Raymond Chandler, outro artífice do policial
negro norte-americano; e "Farrapo
Humano" (Lost weekend, 1945), filme que
expõe as agruras de um escritor alcoólatra
que passa um fim-de-semana lutando contra seu vício.
Esta foi a consagração do cineasta, que
recebeu os principais Oscar (para filme, roteiro e direção)
de 1946. Na seqüência, Wilder realizou o
musical "A valsa do Imperador"
(The emperor waltz), de 1948, e a comédia
"A Mundana" (A foreign affair, 1948),
ambientada em Berlim, ainda destroçada pela guerra,
e tendo Marlene Dietrich no papel principal.
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Obra-prima |
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“É
uma história muito simples. Uma mulher mais
velha e rica... e um homem mais jovem com pouco
dinheiro.” É assim que Joe Gillis (William
Holden) descreve sua situação para
a doce Betty Shaeffer (Nancy Olson) nas seqüências
finais de "Crepúsculo
dos Deuses" (Sunset Boulevard), escrito
e dirigido por Billy Wilder em 1950. No entanto,
o enredo não é nada simples, e envolve
uma antiga estrela do cinema mudo, Norma Desmond
(Gloria Swanson), e um escritor que tentou a vida
como roteirista em Hollywood, mas fracassou. Além
de se tornar amante da velha atriz, Gillis se apaixona
pela noiva de seu melhor amigo, enquanto escreve
o roteiro de um filme com ela. |
Retrato
amargo sobre a fama e o esquecimento em Hollywood, o
filme reúne um elenco de astros da era do cinema
mudo que saíram de cena com o advento do som,
como a própria Gloria Swanson, o ex-diretor Erich
von Stroheim (que interpreta o ex-diretor Max von Mayerling,
que se tornou mordomo de sua antiga musa e amante),
o comediante Buster Keaton (uma das “figuras de
cera” que freqüentam a mansão de Norma
Desmond) e o cineasta Cecil B. DeMille.
É
interessante notar que o filme assistido pelos personagens
é Queen Kelly, obra inacabada que Stroheim dirigiu
com Gloria Swanson como protagonista. Além disso,
há um paralelo entre Crepúsculo dos Deuses
e Semente do Mal. Assim como o protagonista do primeiro
filme dirigido por Billy Wilder, Joe Gillis começa
sua história trágica tentando preservar
seu automóvel.
Com
características do filme-noir – narração
em off feita pelo protagonista masculino, clima de decadência,
fotografia em preto e branco contrastada (herança
do cinema expressionista alemão) –, o Crepúsculo
dos Deuses desagradou muitos magnatas de Hollywood,
mas foi indicado a 11 Oscar, dos quais ganhou três
(roteiro original, direção de arte e trilha
sonora), disputando as principais categorias com A Malvada
(All about Eve, 1950), filme de Joseph L. Mankiewicz
que retrata a espúria ascensão de uma
atriz de teatro.
Era
de ouro
Embora
nem todos os filmes dirigidos por Billy Wilder durante
a década de 1950 e no início dos anos
1960 tenham tido sucesso de bilheteria, esta é
a melhor fase do diretor. Depois de
"Crepúsculo dos Deuses", o cineasta
dirige e escreve (em sua última parceria com
Charles Brackett) o clássico "A
montanha dos sete abutres" (Ace in the hole,
1950), que acompanha um ambicioso jornalista (interpretado
por Kirk Douglas) que transforma um acidente em uma
caverna em um circo. Em 1953, Billy Wilder voltou aos
filmes de guerra com "Inferno
Número 17" (Stalag 17), no qual William
Holden comanda uma fuga de um campo de prisioneiros
americanos na Alemanha. E, em 1957, adaptou para o cinema
a peça "Testemunha
de Acusação" (Witness for
the prossecution), Agatha Christie, com Tyrone Power,
Marlene Dietrich, Charles Laughton e Elsa Lanchester
no elenco.
Os
melhores filmes desse período foram comédias
que se tornaram clássicas. Em "Sabrina"
(1954), o diretor forma um triângulo amoroso entre
a filha do motorista de uma família rica (Audrey
Hepburn), o filho playboy (William Holden) e seu irmão
mais velho, interpretado por Humphrey Bogart, em um
papel romântico. Já em "O
pecado mora ao lado" (Seven year itch),
de 1955, Billy Wilder mostra os devaneios de um homem
casado há sete anos que permanece sozinho em
Nova York durante as férias e se envolve platonicamente
(ou seria mais uma de suas fantasias?) com a vizinha
do andar de cima (Marilyn Monroe).

A
atriz, símbolo sexual do cinema, também
estrelou em 1959 "Quanto
mais quente melhor", ao lado de Tony Curtis
e Jack Lemmon. No enredo (o primeiro desenvolvido com
o novo parceiro do diretor, I. A. L. Diamond), que se
passa na década de 1930, dois músicos
desempregados testemunham o massacre de gângsteres
por um grupo rival e, para fugir da cidade, precisam
se disfarçar de mulher para ingressar em um grupo
musical feminino, que tem entre seus integrantes a sensual
Sugar Kane (Monroe). Um dos músicos (Curtis)
se apaixona pela cantora, enquanto o outro (Lemmon),
travestido, envolve-se com um milionário (Joe
E. Brown).
Jack
Lemmon foi escalado para mais seis comédias dirigidas
por Billy Wilder até o início da década
de 1980, com destaque para "Se
meu apartamento falasse" (The apartment),
de 1960, e "Irma La Douce",
de 1963, ambos estrelados por Shirley MacLaine. No primeiro,
o ator interpreta um funcionário de um escritório
que empresta seu apartamento para os colegas –
e, principalmente, a seu chefe – para encontros
amorosos. Sua ascensão na empresa, contudo, é
interrompida quando se apaixona pela ascensorista, sem
saber que ela é amante do chefe. No segundo filme,
Lemmon faz o policial novato do cais de Paris que se
torna amante da prostituta Irma La Douce.
Ainda
na década de 1960, Wilder realizou "Cupido
Não em bandeira" (One, two, three,
1961), comédia estrelada por James Cagney (ator
que interpretou diversos papéis de gângster
nas décadas de 1930 e 1940), que faz um diretor
da empresa Coca-Cola na Alemanha. Como em
"Ninotchka", o diretor contrapõe
com humor as diferenças entre o lado comunista
e o capitalista e ainda retrata a herança do
nazismo. Na trama, Cagney precisa reverter a situação
da filha de seu chefe – que está para chegar
–, garota mimada que se apaixonou por um militante
da área oriental. O filme foi lançado
pouco antes da construção do Muro de Berlim,
dividindo a Alemanha em dois países, o que dificultou
o sucesso comercial do filme.
“Mas
esta é outra história...”
Nas
duas décadas seguintes, Billy Wilder manteve-se
na ativa enquanto Hollywood, o mundo e o público
que freqüentava as salas de exibição
passaram por diversas transformações.
O diretor alternou comédias – entre as
quais "Beije-me, idiota"
(Kiss me, stupid, 1964), "Uma
loura por um milhão" (The fortune
cookie, 1966) e "A primeira
página" (The front page, 1974) –
com filmes mais introspectivos, a exemplo de
"A vida íntima de Sherlock Holmes"
(The private life of Sherlock Holmes, 1970) e
"Fedora" (1978). Seu último
trabalho como diretor e roteirista (ao lado de I. A.
L. Diamond) foi "Amigos,
amigos, negócios à parte" (Buddy
Buddy), de 1981, em que o assassino de aluguel Walter
Matthau precisa ajudar o suicida Jack Lemmon a reatar
com sua ex-mulher.
Billy
Wilder faleceu em 28 de março de 2002 em Hollywood,
devido a uma pneumonia. Uma vida longa, em sua maior
parte dedicada ao cinema, não apenas por ter
escrito, dirigido e produzido filmes, como também
por ter enfrentado a censura, o moralismo e a perseguição
para levar ao público mais do que entretenimento
fútil. Ele cumpriu a promessa que fez ao funcionário
da embaixada norte-americana que lhe concedeu o visto
em 1934 e permitiu que permanecesse em Hollywood: escrever
“bons filmes”.
Nas
bibliotecas e livrarias :
* ANDRADE, Ana Lúcia. Entretenimento
inteligente: o cinema de Billy Wilder. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2004.
* CHANDLER, Charlotte. Ninguém
é perfeito: Billy Wilder – uma biografia
pessoal. São Paulo: Landscape, 2003.
* CIMENT, Michel. Hollywood:
Entrevistas. São Paulo: Brasiliense,
1988.
* Karasek, Hellmuth. Billy
Wilder: e o resto é loucura. São
Paulo: DBA, 1998.
DVD(s)
no mercado :
**** Semente do Mal (Mauvaise
Graine) – 1934 – Magnus Opus Collection
**** Ninotchka (Ninotchka)
– 1939 – Warner
***** Farrapo Humano
(The lost weekend) – 1945 – ClassicLine
***** Crepúsculo
dos Deuses (Sunset Boulevard) –
1950 – Paramount
**** Inferno n° 17
(Stalag 17) – 1952 – Paramount
***** Sabrina
(Sabrina) – 1952 – Paramount
***** O pecado mora ao
lado (The seven year itch) – 1955
– 20th Century Fox
**** Amor na Tarde (Love in the
Afternoon) – 1957 – Warner
***** Quanto mais quente
melhor (Some like it
hot) – 1958 – Metro

Roberto
Elísio dos Santos é jornalista,
com pós-doutorado em Comunicação
pela ECA-USP, professor da Universidade IMES e autor
dos livros Para reler os quadrinhos Disney (Editora
Paulinas), As Teorias da Comunicação:
da fala à internet (Editora Paulinas) e História
em Quadrinhos Infantil: leitura para crianças
e adultos (Editora Marca de Fantasia) e organizador
de O Tico-Tico 100 anos: centenário da primeira
revista de quadrinhos do Brasil (Opera Graphica). |