Beatriz
Milhazes
A
mais valorizada artista plástica brasileira da atualidade.
Prestigiada
mundialmente, metódica e disciplinada, a artista inverte
o percurso do Ano da França no Brasil e abre uma importante
mostra individual em Paris.

A imensa
caixa de vidro instalada no boulevard Raspail, em Paris, guarda
as últimas invenções de Beatriz Milhazes.
Que não são nenhum segredo: tanto as duas intervenções
na fachada transparente como as dez telas e uma colagem ainda
com cheiro de nova estão ali ás claras, vistas
até por quem passa na rua.
Maior
exposição da artista na Europa, a individual
na Fondation
Cartier pour I´Art Contemporaine conecta-se em cada
detalhe com o monumental prédio projetado por Jean
Nouvet. Sustentada apenas por paredes de vidro e espelhos,
cercada por um jardim propositalmente selvagem, a Fundação
Cartier está entre as mais importantes instituições
de arte contemporânea.

Se fosse
em 2005, Ano do Brasil na França, nada mais natural
levar as exóticas pinturas coloridas de Beatriz para
representar a tal brasilidade tão em alta lá
fora, diriam os residentes de plantão. Mas é
logo no mês de abertura do Ano da França no Brasil
que a brasileira, desvinculada de qualquer efeméride,
brilha em Paris - capital de um país que ainda não
havia cedido aos encantos de suas telas hipnotizantes. "Estou
fazendo o caminho inverso", define.
Para quem
resistia em acreditar, é a prova definitiva de que
Beatriz Milhazes não é só a artista brasileira
que seduz os colecionadores estrangeiros com círculos
psicodélicos e com o colorido dos trópicos.
E de que seu valor artístico vai além do milhão
de dólares alcançado em um leilão da
Sotheby´s no ano passado.
Seguir
o caminho contrário nunca foi novidade na vida de Beatriz
Milhazes. Quando a arte conceitual ditava as regras na década
de 70, ela apareceu para trazer a pintura de volta ao primeiro
plano junto com um grupo que ficou conhecido como Geração
80.
Pouco
tempo depois, enquanto os artistas revelados na célebre
exposição Como Vai Você, Geração
80, no Parque Lage(Rio de Janeiro), redescobriram o tradicional
óleo sobre tela, Beatriz inventava uma nova forma de
trabalhar a pintura.
Na técnica
que aprimorou e usa até hoje, ela pinta sobre pedaços
de plástico e passa as imagens gradualmente para a
tela, sobrepondo uma camada á outra. Ás vezes,
usa os mesmos pedaçoes durante anos, misturando vestígios
de antigos desenhos aos novos.

beatriz-milhazes-succulent-eggplans MOMA -
NY
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As cores
vibrantes inconfundíveis de suas obras nunca foram
muito exploradas na pintura brasileira e pareciam contrariar
a tradição mais opaca do nosso modernismo.
"Ela
começou a experimentar materiais e formas que não
eram comuns naquela época, as pessoas olhavam meio
torto", relembra a mãe, Glauce Milhazes. "Mas
enquanto muitos se perderam ao tentar agradar, a Beatriz que
sempre teve muita personalidade, continuou fazendo aquilo
em que ela acreditava". Ex-professora de história
da arte, Glauce não disfarça o orgulho que tem
a filha. "Minha casa é uma galeria particular
da Beatriz", gaba-se. "Apesar do sucesso, ela continua
uma pessoa absolutamente simples e generosa."
Nem mesmo
o fato de a tela O Mágico, de 2001, ter sido vendida
por US$1,049 milhão no ano passado, cifra não
alcançada por nenhum outro artista brasileiro vivo
(até hoje, só o Abaporu, de Tarsila do Amaral,
chegou a esse patamar), parece ter abalado seu estilo vida.
"Precisei fazer alguns ajustes, as pessoas não
veem você mais da mesma forma. Mas nunca mexi na minha
relação com o trabalho", diz Beatriz, que
não se rende á enorme fila de espera por uma
de suas obras e produz no máximo sete telas por ano.

"O Mágico" foi leiloada por
US$ 1 milhão.
Veja a galeria de fotos (Foto: Divulgação /
Fausto Fleury)
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"Ela
chegou a um nível em que poderia bem ter se acomodado,
mas continua buscando os desafios que sempre buscou",
resume a marchande Márcia Fortes, sócia da galeria
Fortes Vilaça, que representa a artista no Brasil desde
2001.
A
mulher de 1 milhão de dólares
A passagem
que poucos brasileiros fizeram e que levou o trabalho de Beatriz
Milhazes a atingir a casa dos setes digitos nos leilões
de arte internacionais foi a de ser comercializada como arte
contemporânea e não mais como arte latino-americana
- uma transição feita por artistas como Ernesto
Neto, Vik Muniz, Waltercio Caldas e, por vezes, Adriana Varejão.
"Depois disso, que já acontecia havia uns sete
anos, a expectativa era de que meu trabalho chegasse a 1 milhão",
admite. Ela só não imaginava que ganharia status
de celebridade, a ponto de dar autógrafos nas ruas
do Rio e de São Paulo: "Nem por um minuto pensei
que isso seria possível como artista plástica".
Mas não
são os autógrafos ou as manhãs de segunda
e quarta-feira que precisou ocupar com entrevistas o lado
ruim disso tudo: "Depois que você passa a valer
dinheiro real, as pessoas não te olham da mesma maneira.
Todos seus movimentos são observados. Se eu decidisse
passar um ano em Búzios, por exemplo, um monte de gente
acabaria me visitando", ironiza. "Passei a ter pedidos
de pessoas que não tinham ligação com
arte, mas queriam uma obra de Beatriz Milhazes", revela
a marchande Márcia Fortes.

Paredes do metrô de Londres ganharam
a brasilidade de Beatriz.
(Foto: Divulgação / Daisy Hutchison e Stephen
White)
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Ou seja:
além da enorme quantidade de colecionadores ávidos
por uma pintura da artista - são 250 hoje na lista
de espera só no Brasil - entraram aqueles que precisam
preencher uma parede nova da casa com uma tela de 6 metros.
"Virou
questão de status", resume Márcia. Beatriz
não tem nada contra quem vê sua obras dessa forma.
"Já descobri que meu trabalho tem esse poder -
existe uma comunicação que vai além de
quem é interessado em arte." Mas com certeza esses
serão os últimos da fila. "A prioridade
vai ser sempre instituições ou quem tem uma
coleção sólida", defende ela, que
costuma registrar e palpitar bastante sobre o destino de suas
criações. Sem nenhuma mostra comercial marcada
para os próximos meses, ela só volta a pintar
no segundo semestre para uma exposição em Londres,
que tirou da agenda deste ano e passou para 2010. Por enquanto,
planeja tirar dois meses de férias na Europa, depois
da exposição em Paris. Provavelmente vai receber
algumas visitas surpresas.
Arte
Racional
De costas para o bairro carioca do Jardim Botânico e
não muito longe do Parque Lage, onde tudo começou,
o ateliê de Beatriz Milhazes é um lugar de concentração.
Se a paisagem do Rio de Janeiro, a bossa nova e a tropicália
são primordiais para inspirá-la, nas seis horas
diárias e ininterruptas de trabalho só há
lugar para as cores de tintas e o som do silêncio.

Beatriz Milhazes / Atelie, Rio - Brazil
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Metódica,
concentrada e com um disciplina invejável, a ex-professora
de matemática contraria o ideal romântico do
artista, aquele que é acometido por lampejos de genialidade.
"Meu trabalho é muito racional", sentecia.
Nos dois espaços que mantém no Jardim Botânico,
cada um tem uma função bem definida. No mais
antigo, onde está desde 1987, cria colagens com papéis
de bala e chocolate, um trabalho que começou em 2003.
Também é ali que funciona o escritório
e ficam seus dois ou três assistentes, dependendo da
época. A outra casa, comprada em 1995, virou o refúgio
para a sua atividade primordial, a pintura.
Mas isso
não quer dizer que as funções não
possam trocar de lugar e um ou outro papel de bombom surgir
junto aos bastões de tinta. Ainda mais agora que, se
fosse seguir essa organização literalmente,
precisaria de pelo menos mais três ateliês: um
para as gravuras, um para os desenhos das intervenções
urbanas e outro para objetos tridimensionais, novo desafio
que pretende experimentar agora, aos 49 anos.
"A
pouco tempo fiz um móbile para o cenário de
Tempo de Verão e, a partir dali, tive a idéia
de trabalhar com isso", diz ela, referindo- se aos cenários
para os espetáculos da compania de dança de
sua irmã, Marcia Milhazes, os quais assina impreterivelmente.
As intervensões
do espaço público, frutos de um antigo desejo
de fazer vitrais, também são um novo tipo de
trabalho, que Beatriz iniciou em 2004. Na Estação
Pinacoteca, museu anexo da Pinacoteca do Estado de São
Paulo, alguns permaneceram nas janelas mesmo após o
fim da grande esposição da artista na capital
paulista no fim do ano passado. "Mas essa é a
primeira vez que vou mostrá-los com as pinturas na
mesma sala", ressalta a artista, explicando como vai
ficar o projeto para a Fundação Cartier, a partir
de uma maquete.
Local
e Global
Criada
em Copacabana, caldeirão sociológico e síntese
de tudo que há de multicultural no Rio de Janeiro,
Beatriz é a combinação harmônica
desses excessos. Mas, apesar de tantas referências coladas
no Brasil especialmente no Rio, ela é bem mais global
do que o sabor brasileiro de suas telas pode sugerir.
"Até
1996, achava que não podia fazer nada fora do Rio",
diz a artista, que desde então só imprime suas
gravuras nos Estados Unidos e que em 2003 começou a
fazer suas séries de colagens em Paris.

B.Milhazes / window installation ~ estação
pinacoteca, sao paolo, brazil
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Além
da Fortes Vilaça, é representada por três
galerias dos mais importantes centros de arte do mundo: Nova
York, Londres e Berlim. Entre elas, faz um justo revezamento
de uma amostra comercial a cada quatro anos. Essa combinação
equilibrada entre local e global talvez seja o motivo principal
de Beatriz Milhazes estar no hall da fama da arte contemporânea
- com o aval de críticos, do público e do mercado.
Fontes:
NATHALIA LAVIGNE / TAM nas Nuvens; http://fondation.cartier.com/
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