Em
1944 a segunda guerra mundial já pendia irreversivelmente
para o lado aliado, a França foi libertada e dentro
desse contexto Hollywood produzia filmes inesquecíveis.
Foi o apogeu do filme noir, nesse ano foram realizados
os grandes filmes desse estilo que trocava a supremacia
da ação pelo comportamento e a psicologia
dos personagens.
A
estética do film noir foi influenciada pelo expressionismo
alemão. Sob o jugo do nazismo,
muitos diretores importantes foram forçados a
emigrar (incluindo Fritz Lang, Billy Wilder e Robert
Siodmak). Eles
levaram em sua bagagem as técnicas
que desenvolveram (principalmente a iluminação
datição
e o ponto-de-vista subjetivo e psicológico).
O
film noir criou dramas inteligentes e austeros
permeados por niilismo, desconfiança, paranóia
e cinismo. Ruas desertas e os mistério do
inconsciente, todos possuem acessos a certos mundos,
mas poucos os
visitam.
As faces do noir estão principalmente em 1944,
a seguir 5 filmes, alguns dos maiores clássicos do gênero,
feitos no ano em que o horror
do Holocausto enegrecia a Europa, ao mesmo que tempo
em que as tropas aliadas invadiam a Normandia.
Vazio,
escuro, nebuloso. Sorrisos contidos, astutos, sem
hérois ou mocinhas, o Noir tem várias faces e nenhum panfletismo.
Um
Retrato de Mulher ( Fritz Lang, 1944)
É quase
impossível falar de Fritz Lang e não
citar a sua saída da Alemanha para escapar das garras
do nazismo. Largando todo um legado cinematográfico
impecável (Metrópolis, M – O Vampiro
de Dusseldorf, A Morte Cansada) e até mesmo a esposa,
teve uma breve estada na França (onde fez Coração
Vadio) e, logo em seguida, firmou-se de vez nos EUA. Essa
mudança é muito atacada por alguns críticos,
e os que ousam defender, sempre tocam no ponto da influência
do cinema americano na obra posterior de Lang. Mas, vejam
só, não teria sido mesmo o inverso?
O diretor alemão, que logo após instalado
na nova terra, dedicou um bom tempo a estudar o cinema de
lá, conhecer autores e suas obras, iniciou seu trabalho
justamente com filmes que se propunham a analisar essa relação
entre os americanos e o resto do mundo (como pode ser visto
em Só se Vive Uma Vez e Fúria, ambos relatando
hostilidades sofridas devido à natural não
aceitação dos americanos a quem vem de fora),
teve uma passagem pelo western (Os Conquistadores) e, então,
aquele que é talvez o mais referenciado como genuinamente
americano dos gêneros (após o western, claro),
o film noir.
Um
Retrato de Mulher ( The
Woman in The Window )
Antes de tudo, deve-se dizer que Um
Retrato de Mulher é mais
que apenas um representante do estilo, mas um dos primeiros
exemplares e que, ao lado de obras como Laura (Otto Preminger)
Sombra de Uma Dúvida (Alfred Hitchcock), O
Falcão
Maltês (John Huston) e Pacto de Sangue (Billy Wilder – outro
que se instalara na América para fugir do nazismo), é tido
como um dos mais importantes para a definição
do estilo. A trama é a síntese do film noir
clássico, girando em torno de um crime, uma femme
fatale, personagens de caráter duvidoso e questionamentos
de moral ambígua, além de toda a caracterização
soturna dos cenários (a denominação é francesa
e significa “Filme Preto”).
Lembremos, claro, que o que foi feito no
período
clássico do noir não era de modo “consciente”.
Havia uma corrente, mas não se tinha noção
de que se estava definitivamente criando um estilo, e isso
separa os film noir dos neo-noir, obras revisionistas que
pretendiam recriar um filme como legítimo (Chinatown),
referenciá-lo (Blade Runner) ou até mesmo desconstruí-lo
(O Homem que Não Estava Lá). O que pode se
afirmar, então, é que Lang imprimia aqui sua
marca de cineasta expressionista. Apesar de alguns teóricos,
como Steven Neale, classificarem a obra exatamente como um “noir
não-expressionista”, fica difícil não
notar ecos de M – O Vampiro de Dusseldorf ou Os
Espiões
na obra. Esquinas em meio à neblina, longas e vazias
avenidas e becos envoltos pelas sombras fazendo as vezes
de inquisidores dos personagens que carregam consigo alguma
culpa, ou as barras de uma cerca de ferro entre a câmera
e o casal que discute o medo de ter o crime descoberto pela
polícia, revelando um estado mental de prisão.
THE WOMAN IN THE WINDOW (Fritz Lang, 1944)
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Coincidência ou não, a trama de Um
Retrato de Mulher, além de sintetizar quase todos os elementos
já citados de um legítimo film noir, pode ser
vista como uma alegoria ao que seria definido posteriormente
pelos críticos e teóricos, que é a relação
entre os sexos no desenvolvimento da situação.
Logo no começo, o professor Wanley (Edward G. Robinson),
conversa com alguns amigos sobre as limitações
trazidas pela idade (ele já passara dos 40 anos) e
o receio de buscar aventuras sexuais com mulheres mais jovens,
sendo essa conversa iniciada partindo de sua admiração
por uma jovem modelo de um quadro que ele vira numa vitrine
pouco tempo antes. Vários pontos são colocados,
entre eles o fato de que certas situações poderiam
tomar um rumo trágico e inconcebível ante ao
tido por normal e contornável. E é partindo
desse ponto que, ao conhecer a jovem modelo do retrato (Joan
Bennett), um crime acontece e, ao tentar ocultar as provas,
sua vida vira do avesso, com a perseguição
da polícia e de um vigarista que os chantageia (e
leva o casal de meras vítimas do acaso a cabeças
de um segundo assassinato – dessa vez premeditado).
É dessa premissa que Lang constrói seu espetáculo
e nos leva a uma viagem sobre o que mais tarde seria conceituado
como um dos padrões temáticos dos film noir,
com uma impressionante e realmente imprevisível virada
final que nos remete às palavras de Florence Jacobowitz,
que coloca o noir como “um gênero onde a masculinidade
compulsória é apresentada como um pesadelo”.
Fica impossível não reconhecer o grande gênio
que foi Fritz Lang e que, consciente disso ou não,
mais uma vez fazia o cinema se tornar ainda maior.
Pacto de Sangue ( Billy Wilder, 1944 )
Grande clássico do filme noir, extremamente influente
e que consagrou o genial diretor Billy Wilder (1906-2002).
Produzido pela Paramount, foi o quarto filme dirigido por
ele, até então roteirista de prestigio. Para
adaptar o livro de James M. Cain, ele teve a ajuda de outro
mestre da literatura policial, Raymond Chandler.
Pacto
de Sangue ( Double Indemnity )
Mesmo
com uma relação de trabalho desastrosa
com Wilder, Chandler criou os diálogos afiados e deu
forma ao amoralismo da história trágica. Barbara
Stanwyck (1907-90) faz a mulher fatal e Fred MacMurray (1908-91)
vai contra seu tipo habitual de galã de comédias
românticas, tendo provavelmente sua melhor atuação,
uma habilidosa mistura de vilão e vítima. Edward
G. Robinson (1893-1973) interpreta o investigador da companhia
de seguros, cuja amizade íntima com o agente feito
por MacMurray dá o tom de ironia amarga tão
ao gosto de Wilder.
Double Indemnity (Billy Wilder, 1944)
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A parte técnica também é superlativa
e influenciou tudo o que veio depois, com destaque para a
fotografia cheia de contraste e sombra de John F. Seitz e
a música climática de Miklós Rózsa,
ambas indicadas ao Oscar.
Laura
( Otto Preminger, 1944 )
Em Um Olhar a Cada Dia (To Vlemma tou Odyssea,
1995), Theo Angelopoulos narra a trágica busca de um homem por
fragmentos de uma filmagem dos primórdios do cinema
grego. Se num primeiro momento podemos dissertar sobre a
memória, o resgate do passado e suas implicações
no presente e no futuro, num segundo, podemos perceber que
a busca está também ligada ao próprio
ato de filmar, ou, se preferirem, de olhar. Pois trata-se
também do resgate de um possível olhar puro,
inocente, duma filmagem que representa o nascer do cinema
e, assim, da criação imagética antes
de sua incorporação pela cultura de massas.
Analogamente, poderemos dissertar sobre a relação
de Laura (1944) com os filmes noir.
O termo filme noir foi cunhado pela crítica francesa
do pós-guerra, quando o fim da ocupação
alemã permitiu a volta dos filmes hollywoodianos aos
cinemas. Com o súbito acesso à produção,
em seu pioneiro artigo “Un Nouveau Genre ‘Policier’:
L'Aventure Criminelle” (Écran Français,
outubro/1946), Nino Frank separou alguns filmes cujas semelhanças
representavam uma reconfiguração do gênero
policial, trocando a supremacia da ação pelo
comportamento e psicologia de seus personagens: Relíquia
Macabra (The Maltese Falcon, 1941), Até a Vista, Querida
(Murder, My Sweet, 1944), Pacto de Sangue (Double Idemnity,
1944) e Laura. Estes filmes, cada um a sua maneira, traziam
elementos que – embora caracterizados como símbolos
de não-conformidade – seriam incorporados, pelos
estúdios, levando em conta a estrutura típica
de seu ciclo de produção. Se Relíquia
Macabra instaura o desespero
existencialista e a desilusão do mundo ambíguo,
e Até a Vista, Querida incorpora, no filme policial,
a estilização visual do expressionismo alemão
e dos filmes de terror da década de 30; Pacto de Sangue é o
marco fundamental, reunindo estilo e clima, personagens e
conflitos, e transforma-se no palimpsesto máximo do
noir, apresentando essencialmente todas suas características.
Deste mesmo modo, por estar inegavelmente ligado ao princípio
dos noirs, vermos Laura significa vermos a criação
de um estilo antes de sua pasteurização pelo
studio-system. Significa que, como noir, Laura muito antes
de repetir arquétipos, lança-os.
Não que os elementos fundamentais estejam ausentes:
temos o clima de alienação e de paranóia,
onde qualquer coincidência é suspeita, e todos
não só possuem a motivação para
o assassinato, como são vistos, pelo seu próprio
círculo social, como capazes de cometê-lo. Se
os filmes noir expressam a desilusão do mundo abalado
pelo conflito mundial, a incompreensão e a fragmentação
tornar-se-á fundamental na construção
do filme. E, nesse aspecto, temos a perfeita confluência
do estilo de Preminger com o noir, onde a ambigüidade
da narrativa resulta de seus pontos-de-vista fragmentados – como,
por exemplo, a maneira diversa que cada personagem apresenta
Laura (Gene Tierney), o que fica ainda mais evidente no flash-back,
e como ela, ao retornar, se demonstra ao mesmo tempo diferente
de "todas" e parecida com cada uma, em cada interação
individual.
Uma pluralidade, no entanto, que se revela
conflitante com os anseios da personagem. Apesar de todos
projetarem em Laura
uma certa idealização pré-estabelecida
da mulher (o que é conveniente no pós-guerra
e na tentativa hollywoodiana de re-submeter a mulher ao lar),
Preminger rompe criticamente ao delinear uma personagem com
a consciência de seu desejo por liberdade, e que aos
poucos traçará seu destino. E, se a crítica
pós-feminista encara na femme fatale uma mulher que
deseja, acima de todas as morais, escapar do universo masculino – nem
que para isto precise recorrer à sexualidade como
arma e paradoxalmente precisar de outro homem –, Laura
diverge plenamente por já se encontrar livre desde
o princípio. O mais curioso é que, analisando
dentro dos termos da crítica feminista de Gledhill,
a única estrutura patriarcal que Laura parece abalar é a
de Waldo Lydecker (Clifton Webb), cujos trejeitos, falas
e roupas marcadamente destoam como ultrapassados e tradicionais.
Deste modo, a postura crítica de Preminger em relação à velha
sociedade permite a Laura, ao contrário das mulheres
independentes do noir, ter seu final feliz.
Laura
A mise-en-scène de Preminger é arquitetada
rigidamente, e, tendo a completa noção do impacto
de cada especificidade cinematográfica, mantém
sua forma de filmar, sem perder a fluidez, enquanto o sentido
também permanece igual. E isto acarreta num impacto
ainda maior quando suas estruturas – tanto narrativas
como estilísticas, visto este atrelamento recíproco – são
abaladas. A câmera está totalmente centrada
no seus personagens, acompanha cada movimento com eles, descortina
os ambientes em conjunto. Mesmo nos pequenos movimentos dos
personagens, a câmera sente a necessidade de também
se re-situar, re-equilibrar a composição, permitir
que todos os personagens continuem em pé de igualdade;
exceto nos singulares momentos em que a narrativa não
valoriza mais um personagem, mas diminui o outro, ou temos
um corte para o primeiro plano, brusco pela ausência
de cortes, e que demonstra uma reação digna
de isentar-se do resto. O cenário, por sua vez, situa
e estabelece cada personagem, sempre tendo seu lugar na mise-en-scène.
O caso mais notório é o quadro de Laura, que
num primeiro momento era o arcabouço de todas as idealizações
e o pivô do amor de McPherson (Dana Andrews), e que
se impunha na composição como uma pessoa. E
mesmo com a inesperada volta de Laura, o quadro continua
lá, onipresente, representando a ambigüidade
das "Lauras", do crime, do amor e da sociedade – sem
nunca deixar de ser um personagem.
O detetive para quem o amor, num primeiro
momento, não
passa de um motivo de assassinato, enfim se apaixona por
uma morta. Sua fraqueza vem do mesmo amor, sua insegurança
o faz se apoiar na instituição, e duvidamos
se o interrogatório, afinal, serviu para descobrir
a inocência de Laura, ou quem ela amava – a simbologia
final. Para McPherson, assim como para Waldo, o amor e o
crime serão sempre relacionados, fechando o maior
equilíbrio da obra, onde o "herói" e
o "bandido" são tão parecidos que
impossibilitam qualquer tentativa de fechar o mundo num maniqueísmo.
Gene Tierney in Laura (Otto Preminger,
1944)
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E se, por fim, existe ainda a discussão se Laura,
afinal, não trata de um melodrama, é conveniente
fechar o texto com a curiosa definição de Jeanine
Basinger, na qual o noir é "uma espécie
de vírus, que ataca um gênero saudável
e o faz ficar doente".
Até a Vista, Querida ( Edward Dmytryk, 1944
)
O roteiro de
John Paxton baseia-se na obra de Raymond Chandler denominada
Farewell, My Lovely, uma aventura do célebre detetive
particular Philip Marlowe que a narra em primeira pessoa.
O título em português e também o nome
com o qual o filme foi lançado no Reino Unido, segue
o original. Nos Estados Unidos, porém, houve a mudança
por pressão dos produtores, temerosos de que confundissem
o filme com uma comédia ou musical (Dick Powell, que
protagoniza o filme, na época era mais conhecido por
atuar nesses gêneros cinematográficos).
Até a
Vista, Querida (Murder, My Sweet) é considerado
uma das melhores adaptações
para o cinema das história policiais do escritor Raymond
Chandler e considerado por muitos como o primeiro filme em
que o estilo noir foi desenvolvido por completo, tanto na
narrativa
quanto visualmente.
Até a
Vista, Querida ( Murder, My Sweet )
Marlowe é contratado
pelo trapaceiro Moose Malloy (Mike Mazurki) para encontrar
Velma (Claire Trevor), sua antiga namorada, com que perdeu
contato após passar anos na prisão. Contrariando
qualquer expectativa do detetive marginal, o caso leva-o
a uma rede de traições, subornos
e delito.
Em 1975 foi feito um remake do filme, preservando-se
o título
original Farewell, My Lovely (ao contrário do que
ocorreu no Brasil, lançado com o nome de "O último
dos valentões").
Mike Mazurski & Dick Powell in Murder,
My Sweet (1944, Edward Dmytryk)
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A
Dama Fantasma ( Robert Siodmak, 1944)
Um paradoxo ambulante. Todo o primitivismo
narrativo e a ingenuidade já pouco comum em meados de anos 40 em
conluio com um insight mais radical que o outro. A cena em
que Kansas segue o barman pelas ruas de Nova Iorque é uma
coisa de outro mundo em termos de composição
de planos, de iluminação e de ritmo, mas o
troço mais absurdo é a parada de 3 minutos
que Siodmak faz em um quartinho com uma banda de jazz destruindo
a altas horas da madrugada pra plateia nenhuma, onde rola
uma espécie de onomatopeia visual pra uma impensável
cena de sexo entre a mulher e o bateirista. Outra solução
fantástica é a cena da morte do mesmo bateirista,
quando o assassino se levanta cobrindo com o corpo a única
réstia de luz da cena, literalmente o apagando do
filme.
A
Dama Fantasma ( Phantom Lady )
Robert Siodmak, de origem americana, foi
cedo estudar na Alemanha. Tendo começado a filmar com Edgar Ulmer
a vida das pessoas comuns, realizou com Gente de Domingo,
de 1929, um dos mais belos filmes alemães dos anos
20. Três anos depois, foi pego, tal como Raoul Walsh
e Fritz Lang, pela ascensão nazista. Imigrou para
a França e depois para os Estados Unidos, onde finalmente
ficou conhecido como "mestre das sombras" pelos
filmes B que dirigia. A fórmula não era complicada:
histórias simples com um forte rigor de encenação.
A Dama
Fantasma foi escrito por Cornell Woolrich em 1942 sob o
pseudônimo
de William Irish. Dois
anos depois se tornou um dos principais filmes do cinema
noir.
Phantom Lady (1944, Robert
Siodmak)
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Um homem inocente é acusado
de assassinar a própria
esposa. A única pessoa que pode salvá-lo é a
mulher que o fez companhia durante a noite do crime.
Fontes:
Luiz Carlos Freitas; http://cinecafe.wordpress.com/tag/um-retrato-de-mulher/;
Rubens Ewald Filhohttp://cinema.uol.com.br/resenha/pacto-de-sangue-1944.jhtm;
Lucas Barbi; http://www.contracampo.com.br/79/dvdlaura.htm;
Wikipedia; Luis Henrique Boaventura; http://multiplot.wordpress.com/2010/08/04/a-dama-fantasma-phantom-lady-robert-siodmak-1944/;
http://www.contracampo.com.br/20/planogeral.htm